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Nós em frente à placa que explica a
existência das 'estrias glaciais' |
Depois de um período sem fazer as viagens que eu e a Pri
tanto apreciamos, no último domingo finalmente encontramos tempo e um pouco de
dinheiro para deixar a cidade em busca de novos lugares, pessoas e histórias.
Eu já me sentia um viajante “enferrujado” e, se não fosse a insistência dela, é
provável que tivéssemos ficado em casa assistindo a um filme de ação que meu
sogro emprestou. Mas, às vezes, é bom sermos protagonistas dessa ação. Além
disso, todas as vezes que eu não queria viajar e a Pri me convenceu, acabei
retornando com a impressão real de que percorrer alguns quilômetros faz um
enorme bem ao cérebro.
Há uma localidade chamada Witmarsum na Alemanha. Há outra
Witmarsum em Santa Catarina. Optamos pela terceira Witmarsum, em Palmeira (PR),
na região dos Campos Gerais. A colônia de descendentes europeus (em especial
alemães) foi fundada em 1951, e lembra um pouco o município de Carambeí, mais
próximo de Ponta Grossa, também nos Campos Gerais.
Do ponto A (Ponta Grossa) ao ponto B (Witmarsum) devo ter
dirigido um pouco mais de uma hora. Sem pressa, entramos primeiro em Palmeira,
imaginando que a colônia ficasse colada à cidade. Era perto da hora do almoço e
demos início à uma busca por restaurante. Estacionei nosso Palio (quase
promovido a Adventure após a viagem a
Guaraqueçaba) e percorremos a pé uma das
principais ruas do centro da cidade. Todas fechadas. Caminhamos cinco ou seis
quarteirões, notando que estavam abertas apenas uma banca de revista, um boteco
e a igreja, em frente da qual um grande grupo de jovens visitantes entoava
canções religiosas, ao som de dezenas de violões e alguns pandeiros.
Quando regressamos, pela mesma rua, somente o boteco estava
aberto. Os funcionários do estabelecimento nos informou que, seguindo pela
rodovia, em direção a Curitiba, deveríamos percorrer mais 20 quilômetros até
chegar à Colônia de Witmarsum. E assim fizemos.
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Gaivotas em um banheiro masculino |
Antes, porém, uma parada na rodovia para almoçar em um lugar
chamado Girassol. Restaurante e lanchonete bastante agradável. Há um
restaurante com pratos mais caros e, um pouco antes, em recinto separado, a
lanchonete, onde são servidos doces e salgados e (depois descobri) também
almoço. E o banheiro masculino (só o masculino) é decorado com desenhos de
gaivotas (!).
Foram exatos 20 quilômetros até que avistássemos a placa que
indicava Witmarsum. Entrando à esquerda em um trevo, seguimos por uma estrada
asfaltada e muito bonita. As árvores altas se abraçavam no topo, formando um
túnel de folhagens que tornava a simples passagem por ali marcante. Era como um
portal para outro mundo e, de fato, sentimos que até a temperatura caiu,
imediatamente depois que entramos nessa estrada.
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Paisagem bucólica das margens da
rodovia principal da Colônia |
Um pouco distantes umas das outras, as residências exibiam a
arquitetura característica trazida pelos alemães, que em muito lembrava a dos
holandeses vista em Carambeí. Havia vacas em quase todos os terrenos, e vimos
apenas da raça holandesa. Mas aqui e ali surgiam exemplos de ovelhas, gansos, e
um bando de quero-queros fez questão de se mostrar, para a indignação da Pri.
Ela odeia quero-queros... acredita que eles estão sempre pedindo chuva, o que
não costuma ser muito bom em nossos passeios. Felizmente, nesse domingo a
previsão do tempo errou feio, e o sol foi predominante.
A estrada de asfalto por onde seguíamos era, na verdade, a
avenida principal da localidade. E talvez a única avenida, pois não vi nenhuma rua
secundária significativa. Para acalmar os exploradores urbanoides, algumas
placas indicavam que ali havia um ou dois cafés onde poderíamos fazer uma
refeição.
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Nosso Palio Economy, promovido a
'Adventure' após a viagem
a Guaraqueçaba |
Percorridos alguns quilômetros, uma grande placa anunciava
atrativo turístico. De fato, tratava-se de algo curioso que eu já tinha lido na
internet, e fiquei surpreso de nunca ter ouvido falar sobre tal coisa até a
presente data. É que a rodovia passa ao
lado de uma rocha mais ou menos plana, à altura do chão, com riscos apontando
todos em uma mesma direção. São as tais “estrias glaciais”. Segundo os
especialistas, formadas pelo movimento de grandes massas de gelo que existiram
na região há 300 milhões de anos, numa época em que os continentes ainda eram
unidos.
Feito o registro, seguimos novamente até a estrada, até
quase chegarmos novamente à rodovia de acesso a BR. Regressei para entrar numa
estrada de terra onde iríamos conhecer uma pousada que a Pri tinha visto na
internet. No caminho, nada de agência bancária, correios ou farmácia, nada de
supermercado, lan house ou casa lotérica. Pra compensar, há sinal de celular, e
a torre de telefonia fica justo diante dessa estrada em que entramos à procura
da pousada. Placas indicavam também um restaurante, seguindo por uma
bifurcação. Mantendo nosso caminho, chegamos à tal pousada, onde fomos
atendidos por uma moça com forte sotaque, que nos mostrou as instalações.
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Estrias glaciais |
Valores entre R$ 220 e R$ 260 a diária (de acordo com o tipo
de quarto), com direito a café da manhã e fondue de queijo e chocolate à noite,
mais cavalgada com passeio até uma cachoeira da região. Tem acesso à internet
para quem quiser atualizar o blog ou a rede social.
Não era intenção ficar na pousada. Não tínhamos tempo nem
dinheiro para isso, então regressamos para gastar o que havíamos previsto num
café que vimos no trajeto de entrada. Distraído, passei pelo café e decidimos
parar, alguns metros à frente, no Museu de Witmarsum, que fica ao lado da
cooperativa de mesmo nome.
Entramos na casa de madeira, com o chão estalando sob nossos
pés. Não havia viva alma à vista e foi se criando uma atmosfera de suspense, na
qual sabíamos que, em algum momento, alguém surgiria em meio às antiquidades.
Os objetos, em si, não me surpreenderam muito. Não era muito diferente de todo
museu que já visitamos. Um destaque maior para as fotos, já que a localidade
mesmo não é das mais antigas.
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Igreja menonita local |
Tínhamos caminhado por quase todos os cômodos quando um
senhor passou pelo corredor principal e, ao nos ver, procurou demonstrar
simpatia: “Ah, já estão se achando aí?”. E, em seguida, apareceu novamente para
dizer que: “Se precisarem de alguma coisa, fiquem à vontade.”
Estávamos indo embora, só precisávamos pagar a taxa de
entrada. Mas chegou um casal no mesmo momento, e o funcionário do museu começou
a dar uma explanação a respeito dos imigrantes na colônia, sua história e
formação. Heinz Egon Philippsen, como se chama o historiador que atende no
Museu de Witmarsum, ele sim é a principal atração do museu. A Pri, que não é
muito de ficar parada ouvindo aula de História, sentou-se para escutá-lo
explicando de que forma e em que condições os imigrantes vieram para os Campos
Gerais.
Diante de um mapa posto sobre a mesa, Philippsen falou sobre
a miséria de seus antepassados, de alemães, holandeses e ucranianos, as razões
que levaram todos a vir para outros países incluindo o Brasil. Ao mesmo tempo,
narrou parte da própria história, falou de seus quatro filhos, de sua esposa e
mencionou como hoje ele é historiador, e trabalha na mesma residência onde
nasceu em 1955. A casa onde hoje funciona o museu, no passado foi a principal
da fazenda que deu origem à colônia e cooperativa Witmarsum, mais tarde se
tornou hospital (onde Philippsen vinha ao mundo) e hoje é o local onde ele
trabalha.
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Museu de Witmarsum |
A narrativa de Philippsen é clara, cronológica, interessante
e elucidativa. Vale a pena parar no museu por alguns instantes se for para
ouvi-lo dando vida às coisas que ali são apenas objetos. Mas sem o casal que
ali estava. O homem era daquele tipo chato que fica repetindo tudo o que o
professor dizia, e a mulher era do tipo que se antecipava em duas ou três
palavras o que ele ia dizer, só para mostrar que podia ser culta. Saber ouvir é
uma virtude para poucos.
Dali, regressamos ao café, e comi uma torta de amora muito
boa, enquanto a Pri comeu um bolo de Prestígio. Partimos em seguida, voltando a
Ponta Grossa. Na saída de Witmarsum, nos preparamos para fazer uma foto bem
legal do portal formado pelas altas copas das árvores. Estranhamente, passamos
pelo lugar e não o vimos. Quase quis voltar imediatamente, mas decidi deixar
para outra oportunidade. Porque o lugar pede outra oportunidade.