22 de dez. de 2014

A importância do Chester Perdigão



A família está toda reunida. Estão todos diante de uma farta mesa: o filho, o pai, o avô, os tios, os primos... Eles manifestam a alegria de celebrar mais um Natal juntos. Então, entra na sala de jantar a última, e não menos importante, integrante da família: a mãe. Traz nas mãos o último item a compor a ceia: um frango assado.

Os demais querem saber, perplexos:"Onde está o chester?" A mãe responde que, desta vez, preferiu preparar um "frangão". O filho, de cerca de oito anos de idade, inventa uma desculpa. Diz que lembrou que tem um "campeonato de par ou ímpar" para participar na internet, e deixa seu lugar à mesa vazio.

Em seguida, o pai diz que lembrou que precisa ir a um evento de amigo secreto. "Que amigo secreto?", pergunta a mãe. "É secreto", diz, saindo da mesa, de um modo furtivo que se propõe cômico.

No momento seguinte, todos os outros vão embora e o último a deixar a casa, para surpresa da mãe que ainda segura o frango assado, é o Papai Noel. "Papai Noel... até você?", pergunta a mulher, não surpresa por ele estar ali, mas surpresa de estar indo embora. "Não, eu sou a Fada do Dente", responde o velhinho barbudo, antes de desaparecer diante de seus olhos.

Esse comercial ridículo termina com uma justificativa simplório e pouco criativa: "Natal tem que ter Chester que só a Perdigão tem". Ou, em outras palavras: "Natal não é Natal sem chester".

Não sou publicitário, mas sou um dos milhões de brasileiros que, muito provavelmente, já assistiu a esse comercial na televisão, desde que começou a ser veiculado na semana passada. E, como um humilde telespectador e potencial consumidor, me vejo obrigado a apontar quão estúpida é a ideia utilizada em sua formatação.

Natal é, atualmente, algo comercial. Não há como fugir disso. Claro que, historicamente, a proposta é recordar o nascimento de Jesus Cristo. Mas, no mundo contemporâneo, as lojas ficam muito mais lotadas do que as igrejas. Então, não serei hipócrita a ponto de dizer que esse comercial não deveria existir.

O chester em questão é da marca Perdigão. E a empresa tem todo o direito de dizer aos consumidores: "Ei, já que é tempo de reunir a família, saibam que existe nas gôndolas do supermercado o delicioso chester Perdigão". Em última análise, essa é a mensagem. Uma mensagem boa e útil, praticamente uma prestação de serviço. No entanto, esse comercial consegue fazer com que o chester se torne o vilão natalino.

A mãe, que provavelmente cuidou de toda a ceia, é quem fica sozinha ao final. A ausência do chester é motivo de dissolução familiar. E pai e filho optam por serem os primeiros a abandoná-la na noite que deveria ser de especial união.

Certamente, as pessoas que criaram essa peça publicitária estão dizendo que o chester da Perdigão é mais importante do que a família unida. E que a família espera pelo chester, e não pela mãe, que ainda não ocupou seu lugar à mesa.

Esse desastre da publicidade brasileira consegue inverter todos os valores que ainda restam nesta época do ano. O que é um chester perto da oportunidade de estar com a família reunida e feliz, diante de uma mesa já repleta de alimentos? Por vários anos passei o Natal ao lado de meus pais e meu irmão, tendo como principal item da refeição um frango assado. E eu jamais trocaria esse franguinho por um chester, se isso me custasse a presença dos três.

Por essa razão, fica aqui meu protesto contra um comercial que eu gostaria de esquecer, mas que acabo vendo, agora, todas as noites, em algum intervalo da programação da TV. E segue a solução para que seus criadores possam se redimir por desenvolverem essa aberração que, mesmo em tempos de elevado consumismo, consegue ser nojenta...

***

A mãe entra na sala de jantar trazendo nas mãos um frango assado.
- Ué mãe... cadê o chester? - pergunta o filho
- Neste ano, preferi fazer um frango assado. - diz a mãe, triste, porque obviamente também queria ter oferecido um chester.
Não vemos a expressão do restante da família, porque, no momento seguinte, toca a campainha. O pai abre a porta e encontra o Papai Noel. Nas mãos, o velhinho traz o Chester Perdigão.
Ao final, o Noel junta-se à família feliz, que compartilha o chester, e vemos o frango assado, também, sobre a mesa.
A frase final seria a seguinte: "O Natal fica muito melhor com o Chester Perdigão".

***

Percebe a diferença? Ninguém diz que o chester é mais importante que a união familiar, nem diminui a importância e dedicação da mãe por ter preparado um frango assado. O Chester é mostrado como um item importante, que tornará o Natal em família melhor, uma ideia que é endossada pela presença do Papai Noel à mesa.

Viu? O Natal sempre será comercial. Mas não precisa ser estúpido.

P.S.: Abram o vídeo na página do Youtube, e você verá que não sou o único indignado.