26 de jun. de 2006

O vírus da Copa

O Estádio Germano Krüger não estava lotado. Na verdade, a presença dos torcedores era bem menor que a esperada. Os jornais diziam que a expectativa era de que 8 mil pessoas comparecessem ao jogo entre o Operário e o visitante São José. Mas parece que o São José teve uma crise de identidade, ou de santidade, pois resolveu fazer o trabalho de outro santo: trouxe chuva.
Começou com garoa fina, depois o vento ficou mais forte e, finalmente, a temperatura caiu. Quem não estava com dor de garganta ou com um princípio de gripe preferiu ficar enrolado nos cobertores no sofá da sala, comendo pipoca quentinha e esperando o horário em que começaria mais um jogo da Copa do Mundo (Portugal X Holanda), confortavelmente transmitido pela TV.
No intervalo do jogo do Operário haveria o sorteio de camisetas, rádios, uma bicicleta e dois fuscas (!). Mas esse não foi estratagema suficiente para atrair o público. Uma parcela dos torcedores resolveu ir até a parte mais alta das arquibancadas, onde havia cobertura. Ali, em meio a algumas dezenas de pessoas, estava um sujeito que causaria surpresa, caso fosse reconhecido. Usava um boné marrom, blusa cinza e calça jeans. Dois fones de ouvido conectados a um pequeno rádio de pilha completavam a insólita aparição desse personagem. Não era nenhum ator da TV Globo, nem cantor de funk, nem político. Não era celebridade. Na verdade, estava longe de ser conhecido e, justamente por isso, não era reconhecido. Era, simplesmente, eu, oras bolas. (Decepção?)
Na verdade, minha presença ali explicava a presença da garoa que ameaçava virar chuva de verdade. Quem conhece meus hábitos sabe que não costumo assistir a futebol. Menos ainda num estádio. Menos ainda em tarde gelada como foi nesse domingo. Mas o espírito da Copa tomou conta desse corpo que tremia de frio no cimento das arquibancadas. E, é claro, eu podia ganhar um fusca...
Começou o primeiro tempo. O que não faltou foi falta. Nessa frase, o que não faltou foi “f”. Mas nenhum dos dois times conseguiu mostrar um belo jogo. Destaque para o gandula que, em determinado momento, se atrapalhou com as bolas, e ganhou uma vaia da torcida. E para o menino, de cerca de seis anos, que estava sentado na minha frente. Quando um jogador errou feio o passe, o garoto levantou, apontou para o atleta e soltou uma baita gargalhada. O pai, constrangido, fez sinal para o menino fazer silêncio. “Por que, pai?”, cochichou o moleque. “É que esse jogador é do nosso time...”, explicou o pai, enquanto balançava a cabeça de um lado para o outro.
Veio o intervalo. Óbvio que não ganhei um fusca. Nem bicicleta, camiseta ou rádio. Mas ainda tinha a esperança de que o Operário ganhasse a partida. Começou o segundo tempo. A chuva aumentou. As pessoas se espremeram na arquibancada coberta. O São José não tinha muito fôlego para o jogo e dava espaço para o Operário.
O Operário se aproveitava disso. Um dos jogadores conseguiu fazer um drible fantástico, daqueles que merecia replay. Mas deu pra perceber que foi totalmente involuntário. Um cidadão que estava do meu lado resolveu bancar o corvo de Edgar Allan Poe, supondo saber o que se passava na mente do jogador sortudo. “Nunca mais...”, disse o tal rapaz.
A sorte, entretanto, estava longe do time da casa. O comentário era de que haviam enterrado um sapo embaixo do gol onde o Operário devia marcar. Mas, se havia feitiço entre aquelas traves, esse atendia pelo nome de Adir – o goleiro – , que não deixava passar nenhuma bola. Ou seja, fazia seu trabalho.
Apenas por duas vezes a pelota escapou de suas mãos. Numa delas, a bola ainda bateu na trave. O goleiro virou para um repórter que estava ao lado do gol, e disse, em tom filosófico e didático: “Se não tiver sorte, não pode ser goleiro.”
Cartões amarelos. Impedimentos. Machucados. Esse foi o resultado da partida. Porque o placar continuou, como no início, zero a zero. O Operário deixou o campo sob os protestos indignados da torcida, que gritava: “Timinho, timinho, timinho...”
Enquanto voltava para casa pensei que concluiria esse texto assim: “E, pra completar, além de não ganhar o fusca e ver um jogo que terminou sem gols, ainda peguei uma baita gripe.” Mas, que surpresa, não peguei gripe. E ainda cheguei em casa a tempo de ver o Felipão comemorando a vitória de Portugal sobre a Holanda. Que espírito de Copa, que nada. A Copa é um vírus. E, assim como gripe, passa.
Se não virar pneumonia...

8 de jun. de 2006

Introdução à estupidez

Houve uma época em que podiam me considerar bonzinho. Eu, inclusive, concordava. Depois, veio um período em que me chamavam de bonzinho e eu detestava, porque era como ser chamado de idiota. Agora, há tempos ninguém diz que sou bonzinho. E, quer saber, não sinto nenhuma falta disso.
O fato é que estou aprendendo a ser ruim. Ruim, palavra monossilábica com acento agudo na vogal “u”. Esse tipo de aprendizado demanda mais tempo para uns do que para outros. Assim como aprender outro idioma é mais fácil para uns do que para outros. E, nesse caso, o idioma chama-se estupidez. A única forma de linguagem que algumas pessoas entendem.

O problema é que nunca sabemos o momento exato para utilizar esse idioma e, na maioria das vezes, usamos na hora errada, ou com a pessoa errada. Por via das dúvidas, boa parte das pessoas usa o tempo todo. E, assim, o efeito que a estupidez devia ter, acaba se perdendo.
Hoje, pela enésima vez, recebi um telefonema indesejado. Na verdade não era pra mim. Era pra minha mãe. Mas, considerando que eu atendi, não faz muita diferença. É sempre a mesma ladainha: Um rapaz de fala mansa (nada a ver com cantor de forró) diz que deseja falar com minha mãe para fazer um agradecimento. E essa palavra, “agradecimento”, me faz ter certeza de que, na realidade, o cara está telefonando da sede de uma entidade beneficente, com a finalidade de arrecadar (aparentemente, sem fins lucrativos) dinheiro.

Eu conheço a peça porque a história é sempre a mesma. Por isso, não me surpreendi quando minha mãe disse que não ia atender. E procurei transmitir o recado para o cara do outro lado da linha:
_Ela não pode atender.
_A que horas eu posso telefonar, então?
_Ahn... Ok, eu me expressei mal... Ela NÃO QUER atender.
_Não quer atender? Mas, por quê? Ela sabe de onde estou ligando?
_Bem... Se vocês já ligaram pra esse número mais de dez vezes nesse ano, então acho que sim.
_De onde você acha que estou falando?
_Deve ser uma dessas entidades beneficentes que dizem ajudar os doentes com câncer de pulmão, problemas de coração e criancinhas sem pai.

Até eu me surpreendi com minha resposta. Porque, dizendo assim, parece que não ligo a mínima para os doentes com câncer de pulmão, problemas no coração e criancinhas órfãs. Mas, realmente, não menti sobre a dezena de telefonemas que já atendi, provenientes da mesma instituição, à qual já ajudamos algumas vezes.
Certa vez perguntei porque ligavam tanto na minha casa. Me disseram que era uma espécie de escolha aleatória feita a partir da lista telefônica. Fiquei pensando por que não faziam sorteios de prêmios em dinheiro nesse mesmo estilo. Mas nããão... o dinheiro só sai, e não entra nenhum.

Então, é isso. Talvez o mesmo rapaz telefone novamente pra cá, esquecendo de minha última resposta. Ou, mais provavelmente, será outro funcionário fazendo o mesmo serviço. Logo, poderia dizer que não fez nenhuma diferença tratá-lo com grosseria. Pra mim fez... me senti momentaneamente ótimo.
Sei o que você (que já é rúim há tempos) está pensando... “Ele nem foi tão grosseiro assim. Eu teria dito alguns palavrões, pelo menos.”
Pessoas... eu ainda tô aprendendo. Tem gente que até me acha legal!