22 de dez. de 2014

A importância do Chester Perdigão



A família está toda reunida. Estão todos diante de uma farta mesa: o filho, o pai, o avô, os tios, os primos... Eles manifestam a alegria de celebrar mais um Natal juntos. Então, entra na sala de jantar a última, e não menos importante, integrante da família: a mãe. Traz nas mãos o último item a compor a ceia: um frango assado.

Os demais querem saber, perplexos:"Onde está o chester?" A mãe responde que, desta vez, preferiu preparar um "frangão". O filho, de cerca de oito anos de idade, inventa uma desculpa. Diz que lembrou que tem um "campeonato de par ou ímpar" para participar na internet, e deixa seu lugar à mesa vazio.

Em seguida, o pai diz que lembrou que precisa ir a um evento de amigo secreto. "Que amigo secreto?", pergunta a mãe. "É secreto", diz, saindo da mesa, de um modo furtivo que se propõe cômico.

No momento seguinte, todos os outros vão embora e o último a deixar a casa, para surpresa da mãe que ainda segura o frango assado, é o Papai Noel. "Papai Noel... até você?", pergunta a mulher, não surpresa por ele estar ali, mas surpresa de estar indo embora. "Não, eu sou a Fada do Dente", responde o velhinho barbudo, antes de desaparecer diante de seus olhos.

Esse comercial ridículo termina com uma justificativa simplório e pouco criativa: "Natal tem que ter Chester que só a Perdigão tem". Ou, em outras palavras: "Natal não é Natal sem chester".

Não sou publicitário, mas sou um dos milhões de brasileiros que, muito provavelmente, já assistiu a esse comercial na televisão, desde que começou a ser veiculado na semana passada. E, como um humilde telespectador e potencial consumidor, me vejo obrigado a apontar quão estúpida é a ideia utilizada em sua formatação.

Natal é, atualmente, algo comercial. Não há como fugir disso. Claro que, historicamente, a proposta é recordar o nascimento de Jesus Cristo. Mas, no mundo contemporâneo, as lojas ficam muito mais lotadas do que as igrejas. Então, não serei hipócrita a ponto de dizer que esse comercial não deveria existir.

O chester em questão é da marca Perdigão. E a empresa tem todo o direito de dizer aos consumidores: "Ei, já que é tempo de reunir a família, saibam que existe nas gôndolas do supermercado o delicioso chester Perdigão". Em última análise, essa é a mensagem. Uma mensagem boa e útil, praticamente uma prestação de serviço. No entanto, esse comercial consegue fazer com que o chester se torne o vilão natalino.

A mãe, que provavelmente cuidou de toda a ceia, é quem fica sozinha ao final. A ausência do chester é motivo de dissolução familiar. E pai e filho optam por serem os primeiros a abandoná-la na noite que deveria ser de especial união.

Certamente, as pessoas que criaram essa peça publicitária estão dizendo que o chester da Perdigão é mais importante do que a família unida. E que a família espera pelo chester, e não pela mãe, que ainda não ocupou seu lugar à mesa.

Esse desastre da publicidade brasileira consegue inverter todos os valores que ainda restam nesta época do ano. O que é um chester perto da oportunidade de estar com a família reunida e feliz, diante de uma mesa já repleta de alimentos? Por vários anos passei o Natal ao lado de meus pais e meu irmão, tendo como principal item da refeição um frango assado. E eu jamais trocaria esse franguinho por um chester, se isso me custasse a presença dos três.

Por essa razão, fica aqui meu protesto contra um comercial que eu gostaria de esquecer, mas que acabo vendo, agora, todas as noites, em algum intervalo da programação da TV. E segue a solução para que seus criadores possam se redimir por desenvolverem essa aberração que, mesmo em tempos de elevado consumismo, consegue ser nojenta...

***

A mãe entra na sala de jantar trazendo nas mãos um frango assado.
- Ué mãe... cadê o chester? - pergunta o filho
- Neste ano, preferi fazer um frango assado. - diz a mãe, triste, porque obviamente também queria ter oferecido um chester.
Não vemos a expressão do restante da família, porque, no momento seguinte, toca a campainha. O pai abre a porta e encontra o Papai Noel. Nas mãos, o velhinho traz o Chester Perdigão.
Ao final, o Noel junta-se à família feliz, que compartilha o chester, e vemos o frango assado, também, sobre a mesa.
A frase final seria a seguinte: "O Natal fica muito melhor com o Chester Perdigão".

***

Percebe a diferença? Ninguém diz que o chester é mais importante que a união familiar, nem diminui a importância e dedicação da mãe por ter preparado um frango assado. O Chester é mostrado como um item importante, que tornará o Natal em família melhor, uma ideia que é endossada pela presença do Papai Noel à mesa.

Viu? O Natal sempre será comercial. Mas não precisa ser estúpido.

P.S.: Abram o vídeo na página do Youtube, e você verá que não sou o único indignado.

21 de out. de 2014

Resenha: 'O Fim da Infância'

Muitas pessoas tentam me convencer a ver filmes ou ler livros que dizem ser muito bons. No entanto, sou pouco influenciável nesse sentido. Evito ao máximo seguir os conselhos de meus amigos, e acabo fazendo pesquisas por conta própria, antes de me decidir por acatar o conselho de quem quer que seja. Quase sempre.

Isso faz com que eu seja um dos poucos caras em meu círculo social que não conhece, pessoalmente, obras populares entre os minimamente nerds, como é o caso de "2001: Uma Odisseia no Espaço". Até hoje não assisti ao filme, mas acho que agora terei que vê-lo. Meu amigo Ben-Hur Demeneck emprestou outro livro do mesmo autor, Arthur Clarke, e me convenceu de que o sujeito, que morreu há poucos anos, era um gênio.

A obra "O Fim da Infância", cuja leitura encerrei há poucos dias, é única. Depois dela, muitas outras surgiram, certamente tendo se baseado, ao menos em parte, em seu conteúdo. Impossível iniciar a leitura da descrição da chegada de gigantes naves alienígenas à Terra, sem relacionar a história ao filme "Independence Day". Não há como acompanhar a interferência, aparentemente, benéfica dos invasores sem lembrar do seriado "V", que há pouco era exibido na televisão.

Essas referências diminuiriam o impacto da obra de Clarke, se não considerássemos que ele escreveu seu livro no início da década de 1950. Nem sequer o primeiro satélite artificial estava em órbita ainda. O homem só pisaria sobre solo lunar na década seguinte. Por isso, ler "O Fim da Infância" é como ter a oportunidade de encontrar com uma das primeiras obras de real influência em toda a safra de obras de ficção científica relacionada a ETs que veio nos anos seguintes.

Muito mais que isso, o livro faz uma brilhante abordagem filosófica a respeito do homem, daquilo que o faz sentir-se importante e único no Universo. A narrativa mostra uma raça de seres - "Senhores Supremos" - que vem à Terra oferecendo prosperidade, avanços tecnológicos e de conhecimento. Aparentemente, nunca fazem o mal, mas despertam a curiosidade de muitos. Isso porque jamais mostram sua aparência física, nem revelam os reais motivos que os trouxeram ao planeta azul.

Cinqüenta anos após estarem no convívio do homem, conforme prometido, eles mostram seus rostos. Geram dúvidas devido à sua aparência bizarra (se bem que familiar), mas todos os homens já estão bastante habituados com sua presença, e acostumados à interferência benéfica que exerceram nos últimos anos.

Em paralelo, um homem consegue viajar clandestinamente na nave alienígena, até o planeta de origem dos visitantes, para tentar saber mais a respeito deles. Ao voltar, viajando na velocidade da luz, encontra uma Terra 80 anos mais velha, e totalmente mudada.

Seria um grande erro revelar aqui os detalhes minuciosos que tornam o livro tão espetacular. Mas basta saber que ele é convincente. Que tudo que parece acaso, ao final, se revela repleto de sentido. Que a viagem pelo espaço descrita na obra obedece ao que se sabe a respeito da física astronômica, e se mantém atual, mais de 60 anos após sua publicação.

E que, em determinado momento, nos surpreende saber que a cozinha descrita como do futuro teria um item bastante popular chamado "forno de radar". O que significa que Clarke previu até mesmo a popularização dos fornos microondas, que só se tornaram realmente utilizáveis após década de 1970. Ler "O Fim da Infância" faz pensar sobre tecnologia, humanidade e até paranormalidade. E nos mostra que muita coisa evoluiu em nosso mundinho, mas a boa ficção científica atual engatinha, quando a comparamos com a obra de Arthur C. Clarke.

17 de ago. de 2014

Um furo de 20 mil livros

Estava aqui relembrando uma matéria que escrevi há alguns anos, e que foi uma das que mais tiveram repercussão. Em conversa com uma funcionária do Departamento de Cultura da Prefeitura de Ponta Grossa, soube que uma porção de livros da biblioteca pública precisariam ser incinerados, porque tinham sido contaminados por fungos, devido ao armazenamento inadequado.

"Quantos livros?", perguntei. Mas não esperava que a resposta seria tão bombástica. "Vinte mil."

Foi um grande furo, nenhum outro veículo de comunicação sabia daquela informação, que ganhou a capa do Jornal da Manhã e, no dia seguinte, começou a ser replicada em todos os importantes sites, jornais e emissoras de TV.

Mais tarde, ainda suitei a matéria, com a surpreendente informação de que os livros contaminados haviam sido armazenados no mesmo galpão com os alimentos do Programa Mercado da Família, enquanto esperavam para serem queimados. Me infiltrei nesse galpão e levei o fotógrafo até o local onde os livros estava armazenados. Dessa vez, tivemos uma foto exclusiva, e reportagens exemplares cobrando ações mais cuidadosas com itens de uso geral da população.

[A matéria original pode ser lida na íntegra, clicando aqui]


23 de jul. de 2014

Devagar. Soberba passando...

Tem dias em que tudo o que a gente precisa ouvir é um pedido de desculpas. E isso está cada dia mais difícil de acontecer. Os motivos são vários, mas acredito que o principal é o crescimento da soberba no ambiente social. O cenário em que isso é mais visível é o trânsito. Não é à toa que motoristas param os carros para promover acaloradas discussões que, em momentos extremos, levam a verdadeiros campeonatos de UFC, ou duelos de faroeste em que apenas um carrega arma de fogo, cujo final trágico já é previsível.

Observe ao redor, e observe em si mesmo. O que acontece quando você quase bate o carro, em um momento de distração? Primeiro, você culpa o outro motorista. Dificilmente você irá avaliar quem está errado. De imediato, você é quem está certo, e o outro errado. A razão não importa mais no trânsito.

Ontem estacionei um instante em frente à Catedral da cidade. Enquanto colocava o cartão de EstaR sobre o painel, senti o carro sacudir e descobri que um senhor que estacionava à minha frente acabava de esbarrar no pára-choque de meu automóvel. Gesticulei, dei uma buzinada, saí do carro e esperei ele terminar de estacionar para conversarmos. Na realidade, eu só queria ouvir um pedido de desculpas, pois o dia já estava sendo suficientemente difícil.

A vaga em que ele estacionava era a vaga de idoso. Totalmente justo, considerando sua idade e o cartão de identificação no painel de seu carro. O detalhe é que o carro dele era um compacto, e na vaga caberia uma camionete dessas que obrigam a gente a pegar impulso para entrar. Havia um metro sobrando à frente e, ainda assim, o cidadão bate no meu para-choque.

Ao invés de se desculpar, ele atentou para o fato de que meu para-choque havia "invadido" seu espaço de idoso, o que lhe dava o direito de colidir com meu carro. De fato, meu carro tinha adentrado cerca de 30 centímetros na vaga de idoso. Pelo tom de voz e estupidez com que o cidadão me respondeu, acabei por dizer que ele era grosseiro [odeio esse hábito de não ter bons palavrões à disposição].

Ele foi embora abandonando o que poderia ter sido uma discussão longa e infrutífera. Em seguida refleti, ao ver que o carro dele estava cheio de marcas e arranhões, que sua idade já não permitia que ele dirigisse com a destreza de outras épocas, talvez. Ponderei que o dia dele podia estar sendo pior que o meu. E terminei por recuar um pouco meu carro, dando ao compacto do idoso todo o espaço que ele precisasse para sair da vaga depois.

Todavia, o desenrolar do diálogo poderia ter sido outro, se ele apenas se desculpasse por ter encostado em meu carro. Como ele mesmo disse em tom de desaforo, "nem tinha ofendido" meu automóvel. Então, qual seria o problema de apenas pedir desculpas pela atitude? Se ele tivesse feito isso, eu pediria desculpas também, pois acabava de notar que tinha avançado um pouco na sua vaga. Nos cumprimentaríamos, eu recuaria um pouco meu carro, feliz pelo desfecho da conversa na qual ambos notariam suas falhas. Ao invés disso, cada um quis provar que estava certo.

O pedido de desculpas é cada vez mais raro, não simplesmente porque as pessoas estão mal educadas, mas porque estão se achando superiores. E pedir perdão, ainda que em situações pequenas como essa, seria um atestado de inferioridade, quando deveria ser de igualdade. Todos erramos.

É por isso que há quem dirija em meio a duas faixas da via, quem acelera para passar no sinal amarelo, quem ultrapassa pela direita etc. O trânsito é o maior exemplo de como umas pessoas se sentem, cada vez mais, superiores às outras. Se elas são, então que saibam agir como tais. Mas, quem vai começar a mudança de atitude? Quem terá a coragem de ser superior, parecendo inferior aos olhos dos demais? Dar prioridade ao pedestre irá mudar alguma coisa? Tenho esperança que sim, mas com cada vez menos convicção, infelizmente.

21 de jul. de 2014

Entrando numa [água] fria

É verdade que ainda sou um grande fã do simples ato de, no fim de semana, ficar em casa vendo um filme e comendo um pacote de Doritos. Mas, com uma certa frequência e um pouco de dinheiro no bolso, minha esposa acaba me convencendo a fazer pequenas ou médias viagens, muitas delas desbravadoras. Quase todas acarretam uma grande descoberta ou aventura inesquecível. Como da última vez, em que mal chegamos ao local, no Distrito de Entre Rios, em Guarapuava, e tive as pernas abocanhadas por um cachorro dos infernos.

Dessa vez, decidido a nos oferecer um passeio mais tranquilo, fiz uma busca na internet, e optei por uma pousada chamada Recanto da Dora, na região de Tibagi. Um passeio de um dia. Sairíamos na manhã de domingo, para voltar no final da tarde. O site mostrava trilhas para caminhadas, que terminavam em belas cachoeiras. Se gostássemos, podíamos agendar para uma próxima oportunidade um passeio mais extenso, com cavalgadas ou caminhadas acompanhadas de guia. Até mesmo as cachoeiras não poderiam ser muito aproveitadas desta vez, por estarmos em pleno inverno. A manhã de domingo previa iniciar com apenas 3ºC.


Feita a reserva por e-mail, partimos rumo a Tibagi, em deslocamento sossegado que desembocou na rodovia PR-340, quando chegamos ao portal de entrada do Parque Estadual do Guartelá.

Os planos mudam na chegada

Ali, um guia chamado Manoel acabou nos convencendo a não passar pelo portal. É que ele próprio tinha uma série de atrativos no entorno da região, e acabei achando que o Recanto não exerceria tanto fascínio quanto alguns dos roteiros que ele nos apresentou.

Assim, optamos por seguir duas de suas sugestões. A primeira delas era uma trilha que começava ali mesmo, não exigia a presença de guia, e dava a possibilidade de uma boa caminhada a dois. A segunda era denominada "Trilha da Fenda", e prometia a visualização de um cenário fantástico, a julgar pelas fotos que mostravam grande paredões de pedra.

Munidos de uma garrafa de água e um pacote de Ruffles [o Doritos não coube na mochila], eu e a Pri iniciamos o trajeto, que circundava lavoura para, ao final, levar a belas cachoeiras. Apesar de eu não ter planejado caminhar sobre as águas geladas naquela manhã fria, Manoel avisou que, em pelo menos um trecho, teríamos que molhar os pés para atravessar. Como [quase] diz o ditado: "quem está na trilha é pra se molhar". Só não pensei que seria logo no começo.

Pra que complicar?

Assim que chegamos à primeira bifurcação, a Pri quis passar por um banhado do lado esquerdo, enquanto eu acreditava que a trilha devia seguir pela bela estrada do lado direito. Houve uma pequena discussão, e devíamos ter disputado no palito, pois talvez eu tivesse alguma chance. Como não deixamos a escolha a cargo da sorte, acabei cedendo a sugestão de minha companheira, ao considerar o comentário do guia, que havia alertado para a necessidade de molhar os pés.

Acho que eu não estava com as roupas mais adequadas...
Na cara e coragem, Priscila enfiou as botas na lama [aqui vale um adendo: esse par de botas foi levado, certa vez, para que um sapateiro arrumasse a sola que estava soltando. O sapateiro quase se recusou a fazer o conserto, dizendo que, em dias úmidos, era preferível que a Pri andasse descalça, tal era a qualidade do material]... Como eu dizia, a Pri enfiou as botas na lama, e logo sentiu a água gelada. Caminhou por cerca de 10 metros, e me esperou do outro lado, em terra firme.

Ainda parado, eu criava coragem para a caminhada sobre aquele lodo congelante. Então, decidi congelar meus pensamentos, indo em frente, e fazendo de conta que aquilo era a coisa mais natural, e que casais do mundo inteiro sempre escolhiam aproveitar domingos de inverno enchendo os sapatos de água gelada. Palavras não serão capazes de descrever a experiência. Basta dizer que eu cheguei do outro lado e, ao encontrar a Pri, tive que ouvi-la dizer. "É... acho que não é por aqui". E assim, voltamos por aquele lodo, para enfim seguirmos pelo trajeto seco que eu antes havia sugerido. Que sirva de lição... preciso confiar mais em meus palpites.

A beleza das Sete Quedas

A partir dali, a coisa foi mais tranquila. Trilhas abertas, solo de rocha, placas sinalizando, paisagem deslumbrante. Na parte mais alta, curiosas formações de pedra. Na parte mais baixa, a água que escorria formando belas cachoeiras, que dão nome à "Trilha das Sete Quedas". Aliás, no verão seria ótimo retornar ao local. Em dia quente, certamente um dinheiro bem gasto. Há pequenas "piscinas" de água cristalina, com a opção de chão de pedra ou de areia. Lugar limpo que, espero, permaneça com pouca intervenção negativa do homem.

Verão, venha logo...
Após cerca de duas horas de caminhada, por entre as águas limpas dos córregos, subimos novamente o relevo acidentado e voltamos ao ponto de partida. Um breve descanso no local revelou que o passeio pela Trilha da Fenda teria mais turistas. Um grupo de Maringá e uma moradora de Tibagi nos acompanhariam. Até mesmo um guia local chamado Zezinho iria conosco, pois ainda não tinha visto a tal fenda.

Soubemos, então, que aquele passeio era algo recente na região. Poucas pessoas haviam conhecido a beleza que estávamos para registrar com nossos olhos. De carro, voltamos pela rodovia por cerca de 15 quilômetros e entramos em propriedade particular. A empresa de turismo de Manoel tem autorização do proprietário para a visitação, mediante documento entregue na entrada. Segundo Manoel, foi preciso convencer o homem a permitir as visitas, o que só aconteceu há cerca de quatro meses.

Um cenário de Hollywood

Deixamos os carros diante de uma plantação, e adentramos a mata por uma trilha de dificuldade mediana. Após cerca de sete minutos, com a temperatura caindo gradativamente, chegamos ao que parecia ser a entrada de uma gruta. Um portal de pedra, se abria diante de nós. Ao chão, uma pedra chata parecia ser uma porta recém derrubada. E, passando ao lado desta rocha, o que se via era um cenário comparável somente a grandes produções de cinema.

Lembrei das paredes rochosas do final do filme 'Indiana Jones e a Última Cruzada'. Só que estava ali, bem diante de nós, em linha reta. O solo era arenoso e as paredes de rocha vertical, com cerca de 10 a 12 metros de altura. Entre essas paredes, não havia mais do que um metro e meio. No alto, grandes rochas se equilibravam, suspensas, como que desafiando a coragem dos "desbravadores".

E nós? A maravilha da visão contrastava com o frio que sentíamos. Frio esse que só aumentaria nos próximo minutos. A fenda por onde caminhávamos se estendia por diversos metros, em uma visão extraordinária. Infelizmente, minha câmera não era das melhores para aquele registro, pois a luminosidade era reduzida e já era final de tarde.

Avançando pelo estreito caminho, chegamos às parte parcialmente inundadas pelas águas que escorriam dos paredões. A cada centena de metros, havia como que um degrau que nos fazia descer e a água subir. Por entre as pedras escorregadias, o lodo do fundo do córrego e os galhos e cipós que se entrelaçavam à nossa frente, nós seguíamos pelo túnel. Admirados pela maestria com que a natureza havia "construído" aquele cenário, certamente há milhões de anos, nós nos equilibrávamos já sem sentir os pés.

No trecho mais profundo, a água chegou às minhas coxas, e a Pri subiu as minhas costas. A dificuldade de descer as pedras que formavam degraus era cada vez maior, até que chegamos a um local em que a trilha se afunilava e conduzia os caminhantes à escuridão. O guia explicou que o trajeto ali era um pouco mais exigente. Ali, a Pri preferiu voltar (pois a saída era pelo mesmo trajeto). Foi quando me dei conta de que o regresso era um pouco mais desafiador do que a entrada.

O guia e os outros turistas seguiram em frente, enquanto eu e a Pri voltávamos pelo caminho de onde tínhamos vindo. Dessa vez, não era possível pular do alto de rochas para as parte inundadas. Era preciso pequenas escaladas na pedra escorregadia. Isso obrigou a colocar a Pri em meus ombros, para que ela pudesse alcançar o degrau mais alto.

Em uma dessas muitas pedras lisas, a Pri não encontrou apoio, e acabou se molhando um pouco mais. Foi mais ou menos deste jeito:



Ela só conseguiu subir quando eu a segurei e gritei: "Se acalme!"

Ainda assim, a volta é sempre mais rápida que a ida. Chegamos ao carro um pouco cansados e muito sujos. Satisfeitos com a beleza do passeio, e do local que tivemos o privilégio de conhecer, mas desejando ter vindo em época mais quente, e talvez com mais algumas roupas no carro.

Dez minutos depois, o guia e os demais turistas tinham voltado. Dali, ainda seguimos até uma cachoeira muito bonita, também dentro da fazenda. Segundo Manoel, as águas da cachoeira marcam a divisa entre Castro e Tibagi.

Regressamos a Ponta Grossa em seguida, vendo o sol se pôr, e deixando para trás uma visão inesquecível das belezas que a região dos Campos Gerais tem a oferecer.

Há quem diga que não é preciso viajar ao exterior para conhecer muitas dos espetaculares cenários do Mundo, pois o Brasil já oferece diversas dessas maravilhas. E não é demagogia. Apenas para citar outro caso, o Acre, um dos estados brasileiros menos conhecidos (talvez devido à distância extrema do litoral), foi tema de reportagem interessante a respeito de extraordinárias figuras descobertas recentemente em seu solo. Os chamados "geolitos" só podem ser vistas do alto, da mesma forma que as linhas de Nazca, no Peru, e ainda são tão misteriosos quanto pouco conhecidos.



Da mesma forma, a Trilha da Fenda é um local que, certamente, poucos conhecem ou ouviram falar. Cenário fantástico localizado a poucos quilômetros de Ponta Grossa, e que vale a pena conhecer.

Mais informações:

Distância aproximada: 85 quilômetros de Ponta Grossa à entrada do Parque Estadual do Guartelá
Melhor época para visitação: verão... certamente o verão
Roupas: Qualquer sapato ficará molhado e cheio de lama. Alguns turistas preferem caminhar trechos descalços, mas os gravetos no fundo do córrego incomodam. Então... leve roupas de banho, roupas leves e calçados apropriados para a caminhada. Água, lanche para trilha, repelente, filtro solar, boné e sacola plástica para armazenar as roupas de banho.
Taxa de visitação: R$ 25 por pessoa na primeira trilha, sem guia. A Trilha da Fenda exige R$ 50 por pessoa, o que inclui a presença do guia e a autorização do proprietário para entrar na fazenda. *Valores em julho de 2014
Empresa que conduziu a visitação: Itaimbé do Guartelá Ecoturismo

17 de jun. de 2014

Voluntários na Copa

A manhã é de neblina em Ponta Grossa. Os automóveis passam com faróis acesos e bandeirinhas do Brasil tremulando. É o anúncio de mais um dia de jogo do Brasil em meio a uma Copa do Mundo realizada no País. A névoa vai se dissipando, e o centro da cidade começa a ficar povoado. Menos do que nos outros dias, pois dia de Brasil na Copa é feriado para muitas pessoas.

O café também tem movimentação reduzida, o que é bom para garantir conforto a quem tem o hábito de frequentar o lugar. Basicamente duas mesas circulares para duas pessoas, e três ou quatro banquetas junto ao balcão. Uma clientela um pouco maior exigiria que os visitantes excedentes ficassem em pé equilibrando xícara e pires.

Dois advogados entram. Um deles pede um café e um salgado qualquer. O outro, mais baixo e mais falante, pede um café com leite e um pão de queijo. Sentam-se à mesa. O televisor exibe as notícias do dia. O nevoeiro também cobriu toda a cidade do Rio de Janeiro. A bela paisagem também significou o cancelamento de pousos e decolagens lá e em outros pontos do País.

Assim que as nuvens baixas deixam de ser foco principal da reportagem, a Copa do Mundo, assunto do momento em todos os lugares, volta a ser o destaque no programa. E aí o advogado mais baixo começa a falar:

"Sabe o que eu fico mais impressionado? O País precisando de investimentos em saúde e educação, e milhões sendo investidos nesta Copa. Até aí tudo bem... Mas eu não entendo como é que tem um monte de brasileiro que aceita ser voluntário na Copa. Voluntário! Trabalhar de graça por isso?"

Penso a respeito. E recordo que muitos brasileiros só queriam estar perto desses eventos, assistir a um jogo no estádio, ver a movimentação de estrangeiros, poder dizer que fizeram parte de tudo isso um dia. Talvez alguns brasileiros se deixem explorar, ao perceber que essa é a única forma de conseguirem atingir determinados sonhos. Justifica? Não sei, mas com certeza explica como muita coisa acontece.

5 de jan. de 2014

Viagem a Treze Tílias - SC

A Pri na Praça central de Treze Tílias
Nos últimos dias de 2013, eu e minha esposa Priscila concordamos em fazer nova viagem, recarregar as baterias conhecendo novos lugares. Dessa vez, a escolha do destino aconteceu após a visita à casa de uma amiga, que narrou uma viagem incrível que tinha feito até um lugar chamado Treze Tílias, em Santa Catarina.

O nome pode soar estranho para a maioria das pessoas, mas trata-se de uma cidade com um potencial turístico impressionante, que é aplicado na prática de forma exemplar. O passeio, que ainda incluiria passagem pela Serra do Rio do Rastro (uma impressionante estrada que atravessa montanhas) e finalizaria no litoral, em Balneário Camboriú.

A Pri começava a selecionar hotéis e pousadas, quando tivemos a ideia de convidar nossos amigos Robison e Soraya para que nos acompanhassem. Aceitaram a sugestão, e partimos na manhã de domingo, dia 29 de dezembro de 2013, planejando passar o Réveillon na praia.
Flores que decoram a praça da cidade
Seguimos pela rodovia que corta o Distrito de Guaragi, cada casal em seu veículo, em direção a Teixeira Soares, Irati e Mallet, até cruzarmos a divisa com Santa Catarina. Após algumas horas paramos em uma lanchonete à beira da estrada, que acabava de abrir suas portas para os clientes. Tomamos um café, e comemos salgados que estavam muito bons.

De volta à rodovia, seguíamos o carro do Robison e Soraya, que estava com um equipamento de GPS aparentemente mais aprimorado que o modesto aplicativo de meu celular. O tempo variava entre sol, chuvisco e neblina. Passava das 13 horas quando nos vimos em uma rodovia sem qualquer indicação confiável da chegada a Treze Tílias. Sabíamos estar perto, mas tudo que víamos eram morros e campos, sem nenhum sinal de habitação.

Finalmente, por volta das 13h30, surgiu a cidade, como num passe de mágica, por detrás dos morros verdes. O momento coincidia com o surgimento mais intenso do sol, e nos fez ver ruas limpas, casas de arquitetura característica europeia, jardins bem cuidados e a tranquilidade de um município com
aproximadamente 6 mil habitantes.

Cascata artificial que corta a praça da igreja matriz
Treze Tílias é uma cidadezinha simpática e acolhedora, fundada por imigrantes austríacos. Isso fica evidente na arquitetura, na decoração de hotéis, ruas e restaurantes, nos gentílicos, que gostam de falar em alemão entre si. Os funcionários de alguns restaurantes usam roupas típicas, e os nomes de ruas e estabelecimentos, com frequência, têm mais consoantes que vogais.

O nome da cidade é uma referência a um poema de mesmo nome (Die Dreizehnlinden), do poeta alemão Wilhelm Weber. A Tília é uma árvore de origem do Hemisfério Norte, que foi posteriormente trazida e plantada no município. Inclusive, há um parque que possui caminho com treze tílias saudando a passagem do visitante.

Outra marca do município, talvez a principal, é a Edelweiss. Uma flor branca existente nos Alpes, apelidada
de "Flor do Amor", pois diz a tradição que a flor nunca morre ou mancha, mesmo após colhida. Em quiosques de souvenires há várias dessas flores, em vários tamanhos, colocadas em molduras para venda.

'Castelino' - museu da imigração
Quando chegamos, precisamos ignorar o GPS, que não tinha informação a respeito da rua onde ficava nossa pousada. Mas, bastou circular um pouco de carro para encontrarmos um ponto de informações turísticas. No local, soubemos que as esculturas de madeira são outra marca do município, que tem diversos artesãos. A recepcionista, atenciosa, ofereceu alguns panfletos e mapas, informou como chegar à pousada e a restaurantes, deu ao Robison um almanaque muito bonito com várias informações sobre o município, e nos convidou a assistir a um vídeo de sete minutos que conta um pouco do que a cidade tem a oferecer aos visitantes.

De lá, seguimos a um restaurante para almoçar, e depois fomos à pousada. No caminho, nos maravilhávamos com a arquitetura nas ruas principais. A Pousada Adler é, talvez, uma das mais simples que existem no lugar. A estrutura é razoável, mas o atendimento deixou a desejar. A recepcionista foi bastante brusca, ao informar que o local só abriria às 14 horas. Mais tarde, disse não ter recebido o comprovante de pagamento via e-mail (o qual enviamos com bastante antecedência, além de ter feito o pagamento na íntegra, quando era solicitado apenas 50%).

A cidade é representada em maquete
O Robison e a Soraya ficaram hospedados num quarto que ficava ao lado de uma cama elástica, onde crianças pularam até altas horas da noite. A piscina estava cheia de insetos no fundo (o que não nos impediu de tomar um banho hehehehe) e o café da manhã não impressionou.

Apesar disso, a cidade toda é bonita demais, de tem dezenas de atrativos turísticos. Tivemos que escolher alguns, já que ficaríamos apenas um dia. Visitamos o Museu da Imigração Austríaca, mais conhecido como "Castelinho", que foi a residência do fundador da cidade. Fomos ao Parque Lindendorf, que tem um lago com grandes peixes coloridos, uma trilha com pequeno zoológico, a cidade de Treze Tílias representada em miniatura, além de um restaurante muito agradável. Em um quiosque, compramos algumas lembranças. Ao sairmos, um músico tocava acordeom animadamente.

O tempo colaborava bastante conosco. Fazia um sol de rachar e, de vez em quando, para amenizar o calor, caía uma garoa. Em Treze Tílias também fomos ao Parque dos Sonhos, onde nos divertimos em um labirinto de árvores, cujo objetivo era chegar ao centro. Mas não nos aventuramos em uma fila enorme de pessoas para comprar sorvete.

Gente simpática e música típica no Parque Lindendorf
Mas nada no município se compara à praça central, habilmente ornamentada com flores e uma cascata artificial que desce por degraus desde a Catedral até a um pequeno lago. A Praça foi, nitidamente, planejada para ser o cartão postal no centro da cidade. Por ser época de Natal, o local também estava cheio de enfeites, com luzes que tornavam o espaço especialmente importante para visitação à noite.

Ainda na manhã de segunda-feira, dia 30, partimos de Treze Tílias, guiados pelo GPS rumo ao lar do lendário Corvo Albino. Mas essa é outra parte da história...