"O Michelângelo de Rio Azul"
Gostaria de ter escrito sobre a conclusão de nossa viagem a Rio Azul no mesmo dia em que eu e minha namorada retornamos para Ponta Grossa. No entanto, vários dias se passaram, voltamos ao trabalho logo após o feriado prolongado do Dia da Padroeira do Brasil. E tivemos uma semana de apenas três dias para fazer, no jornal, o que fazemos em cinco. Chegamos a um novo final de semana exaustos e a uma nova semana repleta de tarefas. Agora, enfim, posso narrar o que houve no último dia de nossa estada no pequeno município de Rio Azul.
“Vocês atravessam a rodovia na saída da cidade, reto, em direção a uma estrada de cascalho. Dirija por cerca de nove quilômetros, e você irá chegar a um vilarejo. Ali você vai ver um boteco e uma rua mais estreita que leva à igreja. Se as portas da igreja estiverem fechadas, voltem para falar com o dono do boteco, que ele entrega a vocês as chaves. Digam que foi a Regina, minha esposa, quem sugeriu que vocês fossem conhecer o lugar”.
Minutos depois, iniciávamos o percurso rumo ao tal vilarejo, cujo nome esqueci de perguntar. A estrada não era tão ruim, mas descobri que havia várias pequenas aglomerações de casas, o que me levava a questionar se já não teríamos deixado para trás o tal vilarejo. Decidi perguntar.
Vi um galpão nos fundos de um terreno, e estacionei ao notar dois sujeitos no local. Saí do carro e cumprimentei os dois de longe, perguntando se eles sabiam onde ficava a tal igreja. Estranhamente, os dois vieram em minha direção, fazendo com que a Pri, ainda no carro, julgasse que eu seria imobilizado. Especialmente considerando que um deles veio enrolando uma blusa nas mãos. Mas, se limitaram a dar a informação. Ainda devíamos seguir em frente por mais alguns quilômetros. O nome do lugar para o qual nos dirigíamos era “Cachoeira dos Paulistas”.
Dirigindo um pouco mais, chegamos até um boteco que parecia ser aquele descrito por Marcos, o dono da pousada. Virando à direita, a rua estreita levou não apenas até uma, mas a duas igrejas. Uma antiga, de madeira, e outra nova, feita de tijolos, e ainda em cimento cru.
Não víamos quase ninguém nas ruas. Fomos até a frente da igreja, e descobrimos que as portas estavam fechadas. Então, de fato, voltamos para falar com o dono do boteco, que atendia a alguns clientes em uma janela, já que o estabelecimento estava fechado naquele feriado de 12 de outubro.
O cidadão pareceu indiferente, mas nos entregou um molho de chaves, dizendo “esta aqui abre a porta lateral”. Enfim, voltamos até a igreja e giramos a chave para encontrar algo bem diferente do que eu imaginava.
A igreja era inteira erguida em madeira. E as paredes e o teto tinham sido todos pintados de forma ricamente detalhista, e em cores fortes. Nas paredes laterais, uma pintura feita a pincel dava a ilusão de que a tinta havia escorrido. Nas paredes de trás. O pincel tinha sido tocado repetidas vezes com tinta azul, criando vários pontos, em meio a ilustrações de flores, algo que me fez lembrar de Van Gogh. As colunas que sustentavam a igreja receberam vários desenhos que, feitos em sucessão, lembravam azulejos. E nas partes superiores, mais perto do teto, ilustrações ricas em detalhes mostravam cenas descritas pela Bíblia. Entre elas, a Santa Ceia. No teto, desenhos simétricos impressionavam por sua precisão.
Tudo isso maravilhou a Pri e eu, que não parávamos de tirar fotos. Eu com meu celular, ela com a câmera. Havia vários papéis picados no chão, talvez por conta de algum evento recente. Ali ficamos por cerca de dez minutos. Jamais pensei que pinturas como aquelas seriam encontradas em paredes de madeira.
Depois, trancamos novamente as portas, e retornamos até o boteco. O proprietário estava em frente à casa dele, quando paramos para entregar as chaves. “Uma parte da população quer derrubar a igreja, para dar lugar à nova. Espero que isso não aconteça”, nos disse. “E, onde está o homem que fez essas pinturas?”, perguntei. “Mora aí em Rio Azul, mas não tem família. E acho que está vivendo no asilo, já está bem velho”. “E onde fica o asilo?”, perguntei. “Perto da pousada”, ele disse.
- O que acha, Pri... Vamos procurar o velhinho?
- Vamos. – ela disse.
Assim, seguimos de volta até a pousada. Ali perto encontramos o tal asilo. Um interfone coberto por teias de aranha parecia dizer para não entrarmos, enquanto dezenas de velhinhos tomavam sol diante do asilo, que ficava no alto de uma espécie de colina. “Podem subir, o interfone não funciona!!”, alguém gritou.
Subimos uma escadaria. No topo, duas mulheres junto da janela pareciam as cozinheiras do lugar. Ou talvez eu tenha pensado isso por estar perto da hora do almoço. Os fogos de artifício tinham acabado de ser lançados, como acontece tradicionalmente ao meio-dia, no Dia da Padroeira do Brasil.
Não sabia o nome do pintor. Mas, quando citei a igreja decorada, uma das funcionárias logo disse “Ah, eles
estão falando do Petreski!”. Nos levaram até um senhor em uma cadeira de rodas. Os lábios não se moviam direito enquanto ele falava bem baixinho conosco. Antonio Petreski tem cerca de 90 anos. Está no asilo há alguns meses. Sua memória está fraca, mas quando perguntamos se foi ele quem fez a pintura da igreja, não teve dúvidas. “Mas, é claro!”.
Surpreso eu fiquei quando a funcionária nos perguntou: “Qual das igrejas vocês conheceram?” Só então soubemos que Petreski não decorou apenas uma igreja, mas várias da região. Ela nos mostrou o topo de uma outra igreja, vista dali no centro da cidade. Apenas mais uma das que ele havia pintado.
Em meio a um discurso confuso, Petreski deu a entender que ainda queria concluir a obra iniciada em outra igreja, e que precisava corrigir uma pintura que fez e que não ficou perfeita como ele esperava. Mas então voltava a divagar, e dizia coisas difíceis de serem entendidas.
“Ele costumava pintar as igrejas à noite. Quando terminava a obra, deixava tinta e pincéis, tudo no local”, contou a funcionária. Foi triste saber que ele estava lá, ignorado em um asilo. O “Michelangelo de Rio Azul” corre o risco de ser esquecido. A esposa de Marcos, segundo ele nos explicou, tenta através de um videodocumentário mostrar a importância do trabalho de Petreski. Para que, ao menos a igreja que conhecemos, não seja derrubada.
Fomos embora sabendo que tivemos uma experiência única. O saldo da viagem: um simpático agricultor dedicado às amoras. Um parque com cachoeira que vale a pena conhecer. E uma obra de arte escondida em um vilarejo desconhecido... perto de onde vive seu autor... num asilo, em uma cadeira de rodas. Fica no blog Universo e Afins a homenagem e registro a Antonio Petreski. Certamente um dos maiores artistas que existem e, como costuma acontecer, vive sem o sucesso e reconhecimento merecidos. Quem for a Rio Azul, visite os locais e pessoas aqui mencionadas. Descobrirá que viagens interessantes não se resumem à praia ou a grandes pontos turísticos. Às vezes as descobertas mais interessantes estão onde a maioria não procura. Em pequenos lugares como Rio Azul ou... ‘Cachoeira dos Paulistas’.
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