5 de out. de 2010

A megalópole princesina no 'Observatório'

Às vezes eu gostaria de ter mais tempo para refletir sobre a profissão dos jornalistas. Mas, como sou um deles, não tenho tal tempo.

A maioria dessas reflexões são breves, normalmente relacionadas a fatos curtos ou, às vezes, apenas imagens. E um item que sempre acho interessante no jornal, e especificamente no Jornal da Manhã, onde trabalho como repórter (de cultura, agronegócios, comportamento, saúde, além de editar colunas sociais e textos sobre automóveis) é uma seção chamada "Observatório".

Assim como os blogs foram se simplificando até se transformarem no que é hoje o Twitter, o Observatório é a inevitável evolução [?] de algo que tínhamos entre 2007 e 2008 chamado "Ensaio".

O Ensaio era um espaço dedicado exclusivamente aos fotógrafos do JM, onde um tema era escolhido e as imagens buscavam ilustrar esse assunto. Várias imagens interessantes chegaram a ser publicadas, sempre aos domingos.

Depois que o Ensaio deixou de fazer parte dessas edições, chegou um momento em que surgiu o "Observatório". Ao invés de várias imagens publicadas em uma página de domingo, o Observatório publica uma única imagem a cada edição diária.

A beleza disso reside no fato de essa imagem ser extremamente atual e reveladora, ao sintetizar muitas vezes um contexto histórico, cultural, social ou econômico. Muitas vezes, seu real significado passa até mesmo despercebido.

Dia desses, o fotógrafo Rodrigo Czekalski fez o registro de um morador de rua, dormindo na escadaria da igreja. Ao seu lado, apenas um cachorro. Moradores de rua sempre têm ao menos um cachorro.

O clique era a perfeita junção de uma série de elementos, que poderiam ser elencados da seguinte forma: religiosidade, miséria, abandono, cansaço ou fidelidade (no caso do cão). Mas foi mais que isso.

Um ou dois dias depois, Rodrigo recebeu um telefonema no jornal. Uma mulher queria saber mais detalhes acerca da foto. O morador de rua era seu parente, pelo qual há tempos ela procurava.

Rodrigo não pode ajudar muito no sentido de encontrar o cidadão. Apenas disse a ela que, como morador de rua, ele deveria estar na rua. E que seria preciso circular pela cidade para encontrá-lo.

Foi quando ele desligou o telefone que percebeu o alcance daquela imagem. O que era para ser apenas um exemplo, uma curiosidade, acabou se tornando uma pista. E, quem sabe, uma forma de auxiliar a família a encontrar um ente querido.

Essa percepção demorou um pouco demais. Quando nosso editor-chefe [Mário Martins] perguntou ao Rodrigo o nome e telefone da mulher, ele não sabia. Por conta disso, não pudemos realizar o reencontro dos familiares, tal qual um programa do Gugu, talvez menos sensacionalista. Mas, tudo bem... Basta saber que a imagem, em toda a sua síntese e aparente inocência, teve um poder maior do que aquele que supunha até mesmo seu autor.

Uma imagem, às vezes, parece ter um grande significado e não passa de um registro factual. E, em outras ocasiões, quando parece ser apenas um registro, pode estar carregada de intensa importância.

Hoje, uma dentadura foi encontrada ao lado da sede do Jornal da Manhã, bem no centro da megalópole princesina, Ponta Grossa. Rodrigo não perdeu tempo. Apanhou a câmera para fazer o registro. Uma dentadura em plena avenida.

Houve quem tirasse uma onda com o fato. Que importância poderia ter uma dentadura jogada ao chão? Talvez nenhuma. Por outro lado, por que a dentadura não está com o dono? Disseram que ele atirou o objeto, extensão do próprio corpo, de um carro em movimento.

Em Ponta Grossa, cidade onde o possível esquece de acontecer, isso pode ser nada. Ou pode ser alguma coisa.

Vai saber...

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