Tem dias em que tudo o que a gente precisa ouvir é um pedido de desculpas. E isso está cada dia mais difícil de acontecer. Os motivos são vários, mas acredito que o principal é o crescimento da soberba no ambiente social. O cenário em que isso é mais visível é o trânsito. Não é à toa que motoristas param os carros para promover acaloradas discussões que, em momentos extremos, levam a verdadeiros campeonatos de UFC, ou duelos de faroeste em que apenas um carrega arma de fogo, cujo final trágico já é previsível.
Observe ao redor, e observe em si mesmo. O que acontece quando você quase bate o carro, em um momento de distração? Primeiro, você culpa o outro motorista. Dificilmente você irá avaliar quem está errado. De imediato, você é quem está certo, e o outro errado. A razão não importa mais no trânsito.
Ontem estacionei um instante em frente à Catedral da cidade. Enquanto colocava o cartão de EstaR sobre o painel, senti o carro sacudir e descobri que um senhor que estacionava à minha frente acabava de esbarrar no pára-choque de meu automóvel. Gesticulei, dei uma buzinada, saí do carro e esperei ele terminar de estacionar para conversarmos. Na realidade, eu só queria ouvir um pedido de desculpas, pois o dia já estava sendo suficientemente difícil.
A vaga em que ele estacionava era a vaga de idoso. Totalmente justo, considerando sua idade e o cartão de identificação no painel de seu carro. O detalhe é que o carro dele era um compacto, e na vaga caberia uma camionete dessas que obrigam a gente a pegar impulso para entrar. Havia um metro sobrando à frente e, ainda assim, o cidadão bate no meu para-choque.
Ao invés de se desculpar, ele atentou para o fato de que meu para-choque havia "invadido" seu espaço de idoso, o que lhe dava o direito de colidir com meu carro. De fato, meu carro tinha adentrado cerca de 30 centímetros na vaga de idoso. Pelo tom de voz e estupidez com que o cidadão me respondeu, acabei por dizer que ele era grosseiro [odeio esse hábito de não ter bons palavrões à disposição].
Ele foi embora abandonando o que poderia ter sido uma discussão longa e infrutífera. Em seguida refleti, ao ver que o carro dele estava cheio de marcas e arranhões, que sua idade já não permitia que ele dirigisse com a destreza de outras épocas, talvez. Ponderei que o dia dele podia estar sendo pior que o meu. E terminei por recuar um pouco meu carro, dando ao compacto do idoso todo o espaço que ele precisasse para sair da vaga depois.
Todavia, o desenrolar do diálogo poderia ter sido outro, se ele apenas se desculpasse por ter encostado em meu carro. Como ele mesmo disse em tom de desaforo, "nem tinha ofendido" meu automóvel. Então, qual seria o problema de apenas pedir desculpas pela atitude? Se ele tivesse feito isso, eu pediria desculpas também, pois acabava de notar que tinha avançado um pouco na sua vaga. Nos cumprimentaríamos, eu recuaria um pouco meu carro, feliz pelo desfecho da conversa na qual ambos notariam suas falhas. Ao invés disso, cada um quis provar que estava certo.
O pedido de desculpas é cada vez mais raro, não simplesmente porque as pessoas estão mal educadas, mas porque estão se achando superiores. E pedir perdão, ainda que em situações pequenas como essa, seria um atestado de inferioridade, quando deveria ser de igualdade. Todos erramos.
É por isso que há quem dirija em meio a duas faixas da via, quem acelera para passar no sinal amarelo, quem ultrapassa pela direita etc. O trânsito é o maior exemplo de como umas pessoas se sentem, cada vez mais, superiores às outras. Se elas são, então que saibam agir como tais. Mas, quem vai começar a mudança de atitude? Quem terá a coragem de ser superior, parecendo inferior aos olhos dos demais? Dar prioridade ao pedestre irá mudar alguma coisa? Tenho esperança que sim, mas com cada vez menos convicção, infelizmente.
23 de jul. de 2014
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