O meu primeiro ano de escola não foi difícil do ponto de vista do ensino formal. Língua portuguesa, matemática e demais disciplinas eu tirei de letra. Mas minha mãe ficou preocupada quando foi chamada pela equipe pedagógica, que demonstrou inquietação com o fato de eu não me relacionar com os colegas. "Na hora do recreio, ele só fica sentado. Enquanto os outros alunos correm, brincam, conversam, ele só come o lanche e fica esperando o recreio acabar", comentaram.
Aí minha mãe me disse que eu precisava fazer amigos. Mas, sem dar maiores detalhes de como isso funcionava, precisei improvisar. Fui até o Gerson e disse: "Você quer ser meu amigo?" Foi com alívio que ouvi ele responder "nós já somos". E aí notei que eu tinha muito mais a aprender na escola, do que só português e matemática. Eu acabava de descobrir que amigos a gente não faz, a gente reconhece.
Bom, foram anos para que eu aprendesse mais até chegar ao ponto de abordar uma pessoa que nunca vi antes, para iniciar uma conversa. Essa é, basicamente, a arte de meu ofício. O jornalismo me obriga a conversar com desconhecidos como se isso fosse natural, e estabelecer uma relação de confiança ao primeiro encontro. Nem sempre funciona, e é algo que pode ser desfeito de forma acidental a qualquer momento. Mas essa é a tarefa.
Isso faz com que eu encontre, com frequência, pessoas a respeito de quem sei o ofício, conheço parte da história e, às vezes, lembre o nome. Por outro lado, a rotina à qual me prendi - tanto no trabalho como em casa - aliada ao meu péssimo hábito de não ingerir quase nada de bebida alcoólica, me fazem apenas observar os amigos, normalmente sem interagir com eles.
Hoje vi um deles. Eu havia parado no semáforo em frente ao shopping Palladium. Olhei no retrovisor e vi um rapaz de óculos de sol, que acabava de parar um Corsa atrás do meu carro. Tinha uma jovem ao seu lado, e mais algumas pessoas no banco de trás. Mas o olhar dele, oculto por detrás dos óculos escuros, estavam claramente presos ao semáforo.
Ele estava notando o mesmo que eu tinha percebido no dia anterior. E, com a mesma surpresa que manifestei na ocasião, ele chamou a atenção da companheira ao lado para mostrar que uma das lâmpadas do semáforo estava queimada, dando a ilusória impressão de que o sinaleiro ficaria verde em seguida, quando na verdade tinha acabado de ficar vermelho. Riu e gesticulou de forma divertida com as mãos, quando percebeu que a confusão ocorria por causa de um simples problema técnico. Por algum motivo, era algo engraçado.
O carro, com placas de Sengés, seguiu em direção a Uvaranas. Nunca vi o sujeito. Mas acredito que reconheci um amigo. Alguém que, como eu, ri de um semáforo, precisa ser boa pessoa. Ou não?
30 de out. de 2019
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