Enfim chegou a quinta-feira, dia de renovar o empréstimo do livro “Paris é uma festa”, de Hemingway. Apanhei a obra no prédio da Biblioteca Pública Municipal na semana anterior, logo depois de refazer meu cadastro, inativo há pelo menos três anos. Não que eu não tenha lido nada nesse tempo, mas é que optei pelo sebo, livrarias e obras que recebi como cortesia na redação do jornal.
Mas, quando se tem a intenção de ler algo específico, como esse livro de Hemingway, é preciso desembolsar um pouco mais, ou recorrer ao empréstimo. Escolhi a segunda opção, lembrando que já tinha feito uso do livro da biblioteca anos antes.
O prédio da biblioteca está entre os mais antigos de Ponta Grossa. No passado, foi a estação ferroviária, onde milhares de pessoas entraram e saíram do trem, onde casais se reencontraram ou se despediram, onde negócios foram feitos e desfeitos. Ir até lá traz uma sensação estranha de nostalgia, estranha principalmente para alguém que, como eu, não vivia essa época áurea do local. Mas explica bem o título que deram ao prédio: “Estação Saudade”.
A plataforma de embarque e desembarque ainda está lá, e hoje tem funções diversas. Já serviu como palco de apresentações artísticas, exposições diversas (incluindo de automóveis antigos) e, mais recentemente, foi o alvo de vândalos que picharam e rabiscaram em quase toda a sua fachada, cuja pintura foi restaurada há poucos anos.
A restauração não foi das melhores, e prova disso é o uso inadequado do edifício para abrigar a biblioteca. Os livros não têm a proteção correta contra o tempo e nem o prédio tem o uso que merece. Mas o pior é o entorno.
Renovei o livro e fui até a plataforma. Estava bastante frio nesta manhã de quinta-feira. Aproveitei o sol que ainda estava presente no finalzinho do chão de pedra para ler o final de mais um capítulo de Hemingway. Antes, olhei em volta.
Plantaram grama atrás da Estação. Atrás, que hoje é em frente. A entrada do prédio para embarque e desembarque ficava onde hoje está um estacionamento de automóveis confuso e normalmente dominado por flanelinhas. A parte nobre do prédio acabou sendo o local onde, antes, o trem parava para receber novos passageiros.
A grama rala insiste em oferecer um pouco de verde, entre poças de água da chuva do dia anterior. Ali, alguém pouco razoável teve a ideia de fazer uma calçada estreita e ondulada como serpente que leva do terminal central de ônibus até o shopping popular, conhecido como “camelódromo” ou “paraguaizinho”. As pedras de petit-pavé se soltaram, em vários pontos da calçada, denotando total falta de cuidado com a manutenção, além de um trabalho mal feito e o uso errado do espaço (os carros da exposição mencionada anteriormente já passaram por cima dessas pedrinhas algumas vezes).
Mas o mais incompreensível é que tenham feito essa calçada ondulada. Se a fizessem em linha reta, além de oferecer um caminhar mais lógico ao pedestre, ainda poderia ter feito referência aos trilhos de trem que, no passado, estavam quase no mesmo local. Ao invés disso, colocaram ali alguns postes com lâmpadas, entre a estação e a calçada, e esqueceram completamente de colocar algum banco. Parecem faltar boas ideias para o aproveitamento de espaços públicos.
Terminei de ler um capítulo, e notei que o sol já deixava a plataforma. Lembrei que havia bancos do outro lado do gramado. Caminhei ainda seguindo o calor do sol, sobre a plataforma, indo em direção ao paraguaizinho. Na ponta da plataforma, um cachorro dormia e nem sequer mexeu a orelha quando passei ao seu lado, e desci os degraus até o Parque Ambiental.
Cheguei a um dos bancos. Sentei. Olhei em volta. Quem sentasse ali teria que ficar olhando o trânsito de ônibus, ou observar o shopping em forma de caixote. “Preferia estar olhando a grama”, pensei. Baixei os olhos para o livro. O sol fazia com que os olhos acreditassem que as letras impressas em tinta preta eram vermelhas. O texto era vivo e agradável. Levantei os olhos novamente. A cidade parecia mais bonita agora, enquanto eu terminava de ler outro capítulo.