Após o feriado de Sexta-feira Santa, a redação do Jornal da Manhã voltou a ser povoada por essas criaturas estranhas denominada repórteres e diagramadores.
Na verdade, talvez essa raça devotada ao trabalho em jornais não seja, realmente, composta por filhos de Deus. Afinal, neste sábado, mesmo a Igreja do Rosário amanheceu com suas portas fechadas.
Cheguei ao jornal o mais cedo possível, na tentativa de adiantar o trabalho e sair também mais cedo. Tinha concluído a parte escrita às 9h45, então desci para tomar um café.
Ao lado do jornal tem uma lanchonete sem nome, que está sempre aberta. Encontrei lá um senhor um pouco barrigudo, que prestava atenção à TV. O noticiário mostrava as imagens de jovens deitando no asfalto, no meio da noite, por pura diversão/loucura.
"Bom dia. Tem café?", perguntei, enquanto ele apenas balançava a cabeça para dizer que sim.
Achei que ele não estava de bom humor, e que não tinha a mínima intenção de conversar. Mas, que nada. Seu Rui já estava era impaciente de ficar dois dias parado, sem fazer nada. Houve tempo em que ele gostava de um feriado, quando era funcionário contratado. Agora, aos 53 anos, dono do próprio negócio, prefere ir trabalhar em sábados pouco movimentados, juntando alguns trocados a mais, do que ficar em casa. "As contas não param", diz.
O boteco de Seu Rui é simples, mas o café e a coxinha não são ruins. As parede indicam parte de sua inclinação política e religiosa. Algumas orações, uma ou duas estátuas de santos, um antigo calendário com a foto do Jocelito e um quadro fazendo referência ao time do coração: Palmeiras.
"Já fui de tudo nessa vida, menos ladrão", disse Rui, que depois lembrou que também não foi engraxate, pois a barriga o impedia de colocar o caixote diante de si.
Ao dizer que não foi ladrão, contou o fato que o fez deixar para trás a ideia de roubar. Aos 19 anos, furtou um wafer de um mercado que ficava na Avenida Vicente Machado, nas proximidades de onde hoje é a loja Maxitango. Na hora de pagar as compras, o gerente disse a ele que faltava pagar o que estava em seu bolso. Pior do que ser descoberto, foi passar vergonha em um mercado lotado. Mas foi importante, e uma lição para que nunca mais pegasse algo que não fosse seu, disse.
Enquanto conversávamos, três ou quatro pessoas que passaram na rua o cumprimentaram. O importante é que hoje ele não é lembrado como o ladrão de 34 anos atrás. Hoje todos o conhecem pelo nome, tanto que seu estabelecimento nem nome precisa ter.
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