7 de abr. de 2010

O ‘Casal Falcatrua' na Ponte da Amizade

Ir até Foz do Iguaçu significa conhecer, no mínimo, os dois principais pontos turísticos da cidade: as Cataratas e o Paraguai. O fato de Ciudad del Este ficar em outro país não passa de um pequeno detalhe. Porque a cidade de Foz, que o turista irá conhecer, tem mais em comum com as lojas de mercadorias estrangeiras do que com a beleza natural e bem cuidada presente no Parque Nacional de Foz do Iguaçu.

Chegamos à cidade, eu e minha namorada, por volta das 8 horas da manhã do dia 18, após cerca de nove longas horas de viagem num ônibus da Viação Princesa dos Campos. Tendo o endereço do hotel nas mãos, eu sabia que ficava na esquina da Avenida Juscelino Kubitchek [uma das que levam à Ponte da Amizade] com a Rua José Maria de Brito. Mas para encontrar uma delas já levou mais tempo do que imaginávamos.

Um rapaz me cumprimentou com um “good morning” no balcão de informações de uma rodoviária escura e pouco atraente, na qual há apenas uma lanchonete também pouco convidativa. O bom dia em outro idioma me fez pensar que a informação sobre a direção para o hotel viria logo. Engano meu. O sujeito apanhou um pequeno mapa, no qual ele mal conseguiu identificar o local da rodoviária onde estávamos. Enfim, identificada a rua, com um pedido de desculpas do informante por sua confusão, seguimos até a Rua José Maria de Brito. Seguindo reto, eu sabia, chegaríamos ao hotel. Só não tínhamos noção da distância.

Caminhamos a pé, em nome da economia e da aventura de descobrir novos roteiros [e também porque gostamos de sofrer carregando grandes malas pesadas em lugares onde não há calçadas para fazer uso das rodinhas da bagagem], sujando nossos sapatos no terreno pouco cuidado do trajeto entre a rodoviária e o hotel. Em linha reta, devemos ter caminhado uns bons 30 minutos.

Enquanto andávamos, tive a percepção de que Foz do Iguaçu não é tão turística quanto dizem. A rodoviária pequena e visualmente feia, o centro de informações com poucas informações, e a ausência de calçadas, ou calçadas quebradas no trajeto até o hotel, mostrou que a cidade não investe tanto assim no turismo de pequeno porte. Talvez a maior parte desses investimentos esteja restrita a grandes eventos, que trazem grupos de diversos pontos do país e do mundo, mas que não passam pela rodoviária, nem chegam a pé com suas malas. São pessoas que chegam em caravanas até os hotéis e aos chamados centros de convenções.

O que eu e a Pri encontramos, em lugar disso, foram muitos terrenos baldios e o mato crescendo alto. Finalmente chegamos à esquina com a Avenida JK, onde estava o “Hotel Sun”. Para cruzar a avenida tivemos alguma dificuldade. O movimento de carros em Foz, ao menos na área central, é extremamente confuso. A cada esquina, os automóveis vêm de todos os lugares. As faixas para pedestres são quase invisíveis, o que deixa evidente a falta de comprometimento da administração pública local com a segurança no trânsito. Mais tarde notaríamos que isso é reflexo do trânsito em Ciudad del Este.

***

Um corpo no hall de entrada

Quase demos meia-volta logo na porta do hotel, de onde saíram dois policiais militares, dando a desagradável sensação de que encontraríamos a marca de um corpo feita a giz no saguão de entrada. Mas a diária estava paga, e entramos. O lugar não era ruim. Nosso quarto ainda não tinha recebido a visita das arrumadeiras e, por isso, o funcionário disse que teríamos que esperar uns trinta minutos.

“Vocês não querem tomar um café enquanto esperam?”, perguntou. Eu pensava em dizer que sim, quando a Pri disse em um suspiro “com certeza!”, já se encaminhando para o restaurante. Um bom café da manhã e um banho nos deu forças para a primeira tarefa do dia: cruzar a Ponte da Amizade em busca de uma câmera fotográfica que pudesse registrar o objetivo número 2: a visita às Cataratas do Iguaçu.

Mas não conseguimos manter sigilo junto aos parentes a respeito de nossa ida ao Paraguai, de modo que eu carregava na carteira uma lista de artigos de pescaria que meu pai queria que comprássemos. O pai da Pri, por sua vez, soube de uma antena que permite acessar, gratuitamente, mais de duzentos canais de TV paga. A Pri ficou incumbida de adquirir a tal antena.

Como ainda não estávamos suficientemente cansados, decidimos cruzar a Ponte da Amizade a pé. Fazia um calor infernal, mas com a devida quantidade de protetor solar tudo correria bem. A Ponte da Amizade parecia tão perto, mas ia ficando mais distante conforme caminhávamos pelas calçadas pouco cuidadas e pelo mato em torno dos passeios. Por um instante achamos que tínhamos perdido o caminho, mas bastou seguir o engarrafamento e um ônibus com os dizeres "Ciudad del Este" para que tivéssemos a garantia de que o caminho era aquele mesmo.

***

O caos na travessia da Ponte

Nossa velocidade era quase maior que a dos veículos a poucos metros da Ponte. O serviço de fiscalização da aduana brasileira não era lá muito eficiente, mas causava congestionamento. A lentidão do trânsito entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este só não é maior do que sua falta de lógica. Mototaxistas passam rapidamente entre os demais veículos. Sacoleiros percorrem o mesmo trajeto carregados de muamba. E cones e placas só servem para tornar tudo ainda mais confuso. Na aduana pediram o meu RG e o da Pri. Mais nada, e assim cruzamos a Ponte. O vento soprava mais forte ali, de onde víamos os grandes buracos abertos nas grades de proteção, através dos quais muitos sacoleiros ainda jogam fardos de cigarros contrabandeados do Paraguai.
A partir da segunda metade da travessia, deixamos de prestar atenção ao rio e começamos a notar os prédios comerciais do outro lado. Grandes outdoors exibem os nomes de algumas das principais lojas de eletrônicos no Paraguai. E uma placa de "bienvenidos" é o único sinal de boas-vindas. Mal tínhamos deixado a Ponte, um sujeito com um colete azul e a inscrição "guia comercial" nos entregou um panfleto com a indicação de uma loja na qual, ele dizia, poderíamos fazer nossas compras. Quando percebi, já tínhamos aceitado a ajuda do "guia", que terminou com minhas esperanças de fazer comparação de preços.

Se por um lado isso foi ruim, por outro, não tínhamos muito tempo para ficar pesquisando em várias lojas. Seguimos o sujeito que falava conosco em "espanhês", através das ruas sujas de Ciudad del Este, e em meio aos corredores abafados formados por barracas e mais barracas de produtos estrangeiros.

Por toda a parte, vendedores nos abordavam e tentavam nos fazer adquirir produtos nos quais não tínhamos o mínimo interesse. Continuamos seguindo o guia, que tentava extrair informações de nós. Eu procurava evitar passar qualquer detalhe, mas ele começou a insistir, e acabou descobrindo que éramos de Ponta Grossa, e que eu já tinha estado no Paraguai uma vez. Depois disso comecei a tentar extrair informações dele, apesar do pouco interesse. Soube apenas que parte da bagunça na principal rua da cidade se deve à construção da aduana paraguaia, que deve seguir os mesmos moldes da brasileira, mas que está há tempos em obras, sem que exista qualquer indicativo de data para sua conclusão.

Depois de caminhar alguns quarteirões, entre ambulantes desesperados para vender e automóveis cujo trajeto é sempre uma incógnita, enfim chegamos à tal loja que, segundo o guia, pertencia a um brasileiro. "Vocês pueden comprar un notebook, e se passar da cota a gente manda para o otro lado da Ponte después...", comentou o guia.

A cota era de US$ 300 por pessoa, e eu tinha tomado o cuidado de colocar nos bolsos o suficiente para não passar desse valor. Comprar um netbook estava nos meus pensamentos, mas a fama de esperteza dos comerciantes paraguaios é conhecida, e eu não tinha a intenção de pagar primeiro para receber a mercadoria depois, sob o risco de receber uma caixa cheia de pedras do outro lado.

Na loja, um dos vendedores se adiantou e eu primeiro perguntei a respeito de uma mesa digitalizadora, equipamento que dizem ser interessante para o trabalho de cartunista, e que ainda não tenho. Fui informado de que tal produto não poderia ser encontrado em nenhuma loja do Paraguai, por ser algo muito específico. Parti para algo mais simples: um pendrive. Mas descobri que o aparelhinho estava mais caro que eu pensava. Um pendrive mais barato pareceu interessante, mas o vendedor veio com uma informação curiosa: "Só que não funciona... só serve como chaveiro", disse.

Terminei comprando um de apenas quatro gigabytes, um pouco mais caro mas que, segundo o vendedor, funcionava de verdade. Em seguida parti para o que realmente me interessava: a câmera fotográfica. Depois de nos conquistar com uma câmera vermelhinha, o comerciante nos mostrou outra, mais moderna, de 12 megapixels. Pagaríamos apenas um pouco mais para levar aquela maravilha da tecnologia. "Esa cámara vai ser boa para su trabajo de deseño", disse o vendedor, que já tinha entendido meu interesse pela mesa digitalizadora. “Como assim?”, perguntei. "Vai poder fotografar o Pernalonga", finalizou em uma explicação pouco convincente.

De qualquer forma, aceitamos a câmera e não largamos mais dela. De minha parte estava tudo certo. A Pri falou então da antena, e dois ou três vendedores se mobilizaram para trazer uma sacola de peças metálicas, uma caixa de papelão com mais um equipamento eletrônico, outra peça do tamanho de uma pequena lâmpada e, o item final: a parabólica, que a Pri apelidou de "bacia".

Já estávamos nos preocupando em como fazer para transportar tudo aquilo na viagem, quando saímos da loja. Mas era cedo para pensar nisso. Eu ainda precisava achar os itens da lista de meu pai: duas varas 100% carbono, com pontas sobressalentes, e linhas específicas para pescaria.

***

Um insistente vendedor de meias

O guia nos ajudou a carregar as sacolas, e nos levou até um comerciante de materiais de pesca. As varas custaram o dobro do preço que eu imaginava, não havia pontas sobressalentes e as linhas não eram exatamente as solicitadas. Mas, é como sempre digo, a gente faz o que pode.

Foi então que ele surgiu, não sei de onde... O fato é que, quando percebi, estava ao meu lado um menino de cerca de sete anos com um punhado de meias brancas nas mãos. Eu tentava ainda fazer um bom negócio na loja de pescaria, e o guri insistia em me vender as tais meias. "Não, obrigado", eu disse. E o menino, ao invés de dar meia-volta [sem trocadilhos com a expressão] em busca de outro cliente, resolveu insistir. Insistir, mesmo...

Três por um real, cinco por um real, sete pares por um real. Já estávamos saindo da "zona de comércio" e o guri me seguia oferecendo mais e mais meias. Notei que meu "não" já era insuficiente. Injuriado, encarei o garoto: "Piá, eu não vou comprar meias! Eu tenho cara de quem vai comprar meias? Minha avó me dá meias, eu não preciso comprar!", disse. Mas aí veio nova oferta. Eu já estava quase perguntando se a Pri tinha alguma sugestão para me livrar do garoto, mas aí notei que ela tentava se livrar de uma vendedora de bolsas.

Em minha última tentativa de dispensar o menino, olhei para ele de cima a baixo e disse: "Você está usando havaianas! Nem você usa seu produto! Vista um par de meias e vá embora". Depois disso, caminhei mais um pouco e vi que o piá, finalmente, tinha sumido. Na mesma hora apareceu outro, idêntico, vendendo pendrives, e dessa vez agi sabiamente: o ignorei por completo.

Agora era necessário voltar com toda a aquela mercadoria para o hotel em Foz. Já que eu estava dentro da cota máxima de compras, me determinei a declarar a compra na aduana brasileira. “Você vai declarar?", perguntou o guia, espantado. "Sim", confirmei. Mas, cansados de caminhar debaixo do sol escaldante que se fazia presente por volta das 14h30, decidimos voltar de ônibus. O guia sugeriu que pegássemos uma van. "O motorista leva onde vocês quiserem ir", argumentou.

Na hora me pareceu interessante. Então ele nos levou até o motorista de uma van que, como diversas outras, estava suja, enferrujada e bastante surrada. "Eles querem cruzar a Ponte", explicou o guia. "Para onde?", perguntou o motorista. "Para a aduana... eles querem declarar", disse o guia.

O motorista, espantado, virou para mim: "Por que declarar? Podemos levar até onde quiser. Até o hotel...", disse. Acabei aceitando. "Fazemos así... llevamos ustedes até hotel. Si formos parados, puede declarar las mercadorías", argumentou o motorista.

***

Atravessando a Ponte clandestinamente

Dei uma gorjeta ao guia e entramos na van. A bacia foi atrás do banco. Um guri de uns dez anos surgiu, sabe Deus de onde, sentou ao lado da Pri, e ficou junto da janela tapando a visão de quem estava do lado de fora. Uma das artimanhas para ludibriar os fiscais, provavelmente. Foi quando notei que os vidros eram fumê. Enquanto a van se deslocava, mais um sujeito entrou com uma peça longa guardada em um pacote de papelão, e sentou ao lado do motorista. "Está tudo bem, ele está comigo", disse o motorista, sem que perguntássemos nada.

Eu já começava a me questionar se não estávamos sendo sequestrados com mercadoria e tudo, mas era tarde, e a saída era esperar e confiar no sistema. Em meio a uma e outra van que era parada pela fiscalização, e um silêncio tenso que se estabeleceu dentro de nosso carro, passamos pela Ponte da Amizade sem declarar mercadoria nenhuma. Poucos segundos depois, o motorista olhou para mim: "Para qual hotel estamos indo mesmo?" "Hotel Sun", respondi. O motorista paraguaio não entendeu, e o sujeito com a embalagem de papelão soletrou para ele. Não era um sequestro, enfim.

Minutos depois estávamos no saguão do hotel, com quatro sacolas pretas e a parabólica, sob o olhar sério dos funcionários atrás do balcão. "Nós não estamos vindo do Paraguai", brinquei, sem conseguir arrancar sorriso algum dos atendentes, que já devem estar cansados de ver seus hóspedes carregando sacolas pretas.

***

Uma decepção tecnológica

No quarto do hotel, colocamos as sacolas de muamba num canto. Eu apanhei a câmera fotográfica e comecei a fuçar as suas possibilidades. Bati duas fotos e apareceu a mensagem “Memória cheia”. Como assim? Estranhei, mas felizmente eu tinha comprado também um cartão de memória de dois gigabytes. Tirei do pacote e fui inserir o cartão na câmera. Não encaixava. Tal qual uma bonequinha russa, o cartão se separava em três partes, uma menor que a outra, mas nenhuma se adequava ao compartimento da câmera. A Pri quis tentar também, mas parecia impossível. Teriam os paraguaios vendido para nós o cartão de memória errado?

Tirei o cartão e liguei outra vez a câmera. Como num passe ruim de mágica, todos os menus tinham se apagado. Não aparecia mais nada escrito na tela da câmera. As fotos eram feitas, mas não era possível acessá-las. Nada mais funcionava direito. Depois de analisarmos friamente, concluímos que a câmera tinha dado problema depois que forçamos a inserção do cartão de memória.

Aquilo me deixou indignado. Não sabia se culpava os vendedores do Paraguai por venderem o cartão incorreto, ou se culpava a mim mesmo por minha estupidez.

Devo ter ficado por alguns minutos reclamando de meu azar. A câmera não tinha sido tão barata assim. Aí veio a declaração de amor de minha namorada: “Com você eu volto ao inferno”. Levei alguns segundos para compreender que ela se referia ao Paraguai.

Estava decidido... no dia seguinte, voltaríamos ao Paraguai, para tentar o que, aparentemente, nenhum homem brasileiro jamais havia conseguido naquele país: trocar uma mercadoria com defeito.

***

Ao encontro dos quatis

O retorno ao Paraguai era preocupação para mais tarde. Naquele momento, em específico, começamos a nos preocupar com o curto período de tempo que tínhamos para ver as Cataratas. De acordo com o atendente no hotel, o Parque fechava às 17 horas. Para chegar até lá, teríamos que pegar um ônibus até o terminal, para irmos de lá até o Parque, que ficava relativamente distante do centro da cidade. Entre almoçar e ir ver as Cataratas, optamos por comer um pacote de batata Ruffles no terminal e ir até as Cataratas.

Reforcei a camada de protetor solar, e enfrentamos o calor escaldante para chegar ao Parque Nacional do Iguaçu. Chegando lá, os ônibus que levavam ao passeio por dentro do Parque já estavam parados, e pudemos nos sentar no primeiro banco do segundo andar do veículo. Dali vimos alguns cará-carás, mas não havia muito mais para ver no trajeto, até que chegamos ao ponto de parada das Cataratas.

Trilhas e escadarias bem cuidadas e sinalizadas, repletas de lagartos, levam a diversos mirantes, um dos quais tem ao lado uma barraquinha onde todos os funcionários chupavam picolés, nos obrigando a ter a mesma ideia. Devorando meu picolé de limão, seguimos através das escadarias, à medida que o som da água aumentava. Começamos a sentir pequenas gotas de água caindo. Eram as partículas suspensas a partir das quedas. Surgiu o primeiro mirante, e já ficamos surpresos com a quantidade de água.

Caminhando em frente, chegamos a um outro mirante ao lado das Cataratas, e outro que leva até a metade do rio, deixando os turistas andar sobre as águas revoltas. Naquela tarde quente, saímos de lá totalmente molhados.

Saquei minha câmera reserva do bolso [uma que eu já tinha trazido de Ponta Grossa] e fiz algumas fotos. Compramos duas camisetas do Parque e um quati de pelúcia. Depois voltamos para o ônibus. A Pri estava chateada por não ter visto quatis de verdade. Foi quando surgiu um bando deles. Fiz algumas fotos, enquanto ela se atrevia a pegar no rabo do bicho, que olhava para ela com cara de reprovação como quem pergunta “te conheço?”

Depois partimos do Parque e voltamos ao hotel, em um ônibus que se deslocava em alta velocidade, porque um motorista muito louco tentava atravessar rapidamente o engarrafamento que se estabelece em Foz na hora do rush.

***

Missão Impossível sem Tom Cruise

Na manhã do dia seguinte, logo saímos em direção ao Paraguai. Dessa vez não perdemos tempo e fomos imediatamente ao ponto de ônibus, rumo à travessia da Ponte da Amizade. A Pri levou apenas a câmera com defeito dentro de sua respectiva bolsinha e eu levei a sacola com os acessórios do aparelho.

Trocar a câmera era algo que me parecia impossível. Estava vendo que o vendedor iria negar que me conhecia, diria que não troca mercadorias, e ameaçaria chamar a polícia. Meu receio só foi transmitido para a Pri no momento em que revelei a ela a terrível verdade: “Esqueci de trazer a nota fiscal!” “O quê? Mas eu vi você separando o documento!”, ela disse. “Eu deixei em cima da mesa do quarto do hotel”, falei.

Então era isso. Na mais nova versão do filme “Missão Impossível”, nosso objetivo era cruzar a Ponte da Amizade, trocar a câmera estragada por uma nova e funcionando, e fazer tudo isso sem nenhuma prova de que estivéramos antes na loja.

Os vendedores vieram em nossa direção com suas bolsas, meias e pendrives. Todos nos convidavam a comprar, mas eu dei a dica à Pri: “Não olhe nos olhos deles. Olhe para um horizonte imaginário, que eles desistem”. E, de fato, essa é a dica.

Em meio a todo aquele comércio, eu jamais encontraria o lugar. Mas, incrível, minha namorada memorizou a localização. Fomos direto ao balcão e explicamos a situação para um dos vendedores que tinha nos atendido no dia anterior.

“Você trouxe a nota?”, perguntou.
“Claro que sim”, respondi, enquanto fuçava na sacola como se pudesse realmente encontrar a nota ali. Eu fazia isso com tanto esforço e fé, que realmente poderia encontrá-la, ou tirar de lá uma pomba.
Enquanto desempenhava meu papel teatral, minha namorada iniciou sua representação também. Dizendo frases como “Eu não sei o que aconteceu... estava funcionando bem ontem...”

Nesse meio tempo, o vendedor ligou e religou a câmera. Deve ter lembrado do comentário sobre o Pernalonga e disse: “Ah... vocês vieram aqui ontem, né?” Deu mais uma olhada nas baterias e lançou o diagnóstico. “Parece mesmo problema na memória. Vou ter que trocar por outra”.

Pensei: “ouvi direito? Ele admitiu o defeito? Ele vai trocar?”
Pois e trocou.

O rapaz esqueceu de vez da nota fiscal. Apanhou uma câmera novinha, idêntica, e funcionando e nos entregou. Não sem antes colocar a memória de 2 Gb, com o adaptador laranja, que tinha esquecido de nos entregar antes. Em seguida, demos no pé com o aparelho, antes que ele mudasse de ideia.

Faceiros e entusiasmados, naquele momento nos autodenominamos “o Casal Falcatrua”, e entramos em outro ônibus para voltar ao hotel. Nesse caminho, tiramos algumas fotos dentro do busão. Flagramos o momento de desespero de alguns muambeiros no momento em que os fiscais entravam para verificar as mercadorias. E atravessamos novamente a Ponte. No muro ao lado direito, quando termina a travessia, uma ilustração resume bem tudo aquilo: “Uma ponte só é pouco”.

***

Um telefonema muda tudo

Chegamos ao hotel, arrumamos nossas malas, pagamos a estada, e já íamos nos deslocar para o terminal e pegar um ônibus até a rodoviária, quando a Pri lembrou do detalhe: “Eu não vi meu celular. Arrumei as malas e não vi meu celular”.

Em frente ao hotel que acabáramos de deixar, segurando mala e sacolas pretas, peguei meu telefone e liguei para o número da Pri. Do outro lado atendeu uma moça, que disse ter encontrado o celular no dia anterior, no ônibus. Mas que poderia devolver o telefone se fôssemos até o endereço onde ela residia. E onde era? “Perto da Ponte da Amizade”, disse, antes que a ligação caísse porque eu não tinha mais créditos.

Por um instante cogitei deixar o celular lá mesmo. Mas a Pri disse que tinha muitas fotos na memória do aparelho, e fez cara de choro. Então comprei créditos para meu celular, liguei de novo para a moça. Peguei o endereço certinho e lá fomos de novo, em direção à Ponte da Amizade.

Dessa vez pegamos um táxi. Colocamos a muamba no porta-malas do carro. Quando o taxista viu a bacia, lançou o comentário: “Opa! É bem dessa antena que eu quero comprar uma!” “Sério? Quanto você paga?”, perguntei, diante da reprovação de minha namorada: “Tá tentando vender a antena de meu pai?” Mas o taxista não quis levar. Disse que estava muito barata, e que era preciso tomar cuidado, porque “muita gente rouba antena e depois sai por aí vendendo...” Acho que eu estava com a barba por fazer, para ser confundido com um dos Irmãos Metralha.

Chegamos ao endereço, e a moça, uma universitária, nos entregou o celular que tínhamos perdido. Aparentemente, em algum momento, o aparelho que estava em meu bolso tinha escorregado, ficando no banco do ônibus que leva ao Paraguai. Foi sorte ele ser encontrado por uma pessoa honesta, e do lado de Foz. Porque seria bem mais complicado se a pessoa que encontrasse o celular fosse moradora do Paraguai. Aí teríamos que cruzar a Ponte... de novo.

Saldo de nossa viagem:

Chegando em casa, descobri que o pendrive não funcionou. Virou chaveiro.
As varas de carbono eram falsificadas. Mas meu pai bancou o esperto e as revendeu.
A antena do sogro tá funcionando bem até agora.
E a câmera nova... bem... também pifou nesta semana. A tela ficou preta, o que significa o mesmo que fechar os olhos e tirar a foto. Voltei a usar minha câmera antiga. Fica a dica... evite comprar no Paraguai, que é fria.

Apesar disso, eu e a Pri nos divertimos muito sempre que contamos a alguém a forma como trocamos a câmera em Ciudad del Este. Nosso interlocutor sempre ergue as sobrancelhas, arregala os olhos e, incrédulo, pergunta: “Trocaram mesmo??”

2 comentários:

Dalton disse...

Nossa! Isso é que é uma narrativa de fôlego! (Só perde p/ Grande Sertão: Veredas) Já pensou em entrar em sociedade com o autor da série "Vida de repórter"? Vc poderia escrever o livro "As deventuras de um repórter na confusão paraguaia". Que tal?

Robison Queiroz disse...

Muito bem explicado...ehehehe... tenho parentes em Foz, e sempre que comento que irei visitá-los, a primeira pergunta que vem é: 'Vai ao Paraguai?' e a resposta sempre é: -não!!! Concordo plenamente com a Pri, realmente lá é o inferno.