Apesar de tudo isso, ainda é possivel ficar satisfeito quando a gente termina de assistir a um filme, com a certeza de ter visto o lançamento de uma excelente produção.
E, felizmente, ainda existem excelentes produções. Ultimamente a sétima arte tem buscado inspiração nos quadrinhos, e alguns resultados têm sido muito bons. Foi assim com o Batman em seus últimos dois filmes. E agora o filme Watchmen consegue, novamente, a façanha de realizar uma brilhante adaptação.
Quando soube que Watchmen estava para chegar aos cinemas, e que era a baseado em uma HQ (ou graphic novel), perguntei a mim mesmo: Watchmen? Eu nunca tinha ouvido falar. Ainda bem que sempre é tempo para uma atualização.
Uma rápida busca na internet ofereceu razoável gama de informações. Entre elas encontrei um site [que parece estar com problemas técnicos agora] de onde foi possível fazer download dos 12 capítulos da História em Quadrinhos Watchmen. E a leitura do primeiro capítulo me fez perceber o óbvio... eu precisava ler todos.
Watchmen é uma HQ fascinante, repleta de detalhes nos traços e no enredo. Ao aliar a ficção com fatos e personagens históricos, a trama convence o leitor, quase como se a leitura fosse demonstrar o futuro do próprio espectador. Mas não é fácil descrever as sensações que a HQ desperta. Basta dizer que a leitura da história até o capítulo 10 me fez desejar ver o filme, mais do que já desejei ver qualquer outra adaptação para o cinema.
Isso motivou grande receio, também. Quando a expectativa é muito grande, a tendência à decepção é proporcional. Mas então assisti ao trailer no Youtube, li algumas matérias a respeito, e estava convencido de que o filme seria uma experiência única. Felizmente, não me enganei.
O filme Watchmen consegue reproduzir cenas idênticas às encontradas na HQ. Os personagens são, a maioria, muito parecidos com os encontrados nas páginas de quadrinhos. E até a voz deles, se considerarmos os recursos empregados no uso de balões na HQ, estão de acordo com o esperado.
A primeira metade do filme pode provocar arrepios àqueles que, como eu, acabaram de ler a HQ feita na década de 1980. É como experimentar uma seqüência de déjà vus, apesar de saber que eles virão.
A magia de qualquer boa história em quadrinhos está no fato de, entre um quadro e outro, o leitor criar mentalmente o movimento dos personagens. Já me aconteceu de ler um gibi do Pato Donald, por exemplo, e depois não lembrar se a história era de uma HQ ou de um desenho animado, tal é o processo que nosso cérebro é capaz de desenvolver.
Mas foi a primeira vez que experimentei isso diante de um filme. Lembrando agora das cenas, não sei distinguir quais vi no filme e quais li nos quadrinhos. Os atores foram escolhidos a dedo, com feições que remetem aos personagens originais. O mesmo acontece com os trajes dos heróis mascarados, os diálogos, as expressões faciais, e os cenários. O quarto, o porão, a banca de revistas, a escadaria, a calçada, a porta... Tudo no filme parece seguir a HQ. Até mesmo a transição entre um capítulo e outro pode ser reconhecido no filme, apesar de não estar evidente para alguém que não leu a HQ.
Claro, como disse, essa é a primeira parte de um filme de 166 minutos. Na seqüência, o roteiro toma algumas liberdades que criam um princípio de desconforto no espectador atento.
O personagem Roschach é ameaçado por um sujeito com uma serra elétrica, quando no original ele é ameaçado por um cara segurando um maçarico. É o sinal que demonstra que uma guinada está para acontecer no filme. Uma das personagens diz “confie em mim”. Pelo amor de Deus! Deveria haver uma legislação que proibisse o uso de um clichê como esses.
Entretanto, as comparações divergentes terminaram minutos depois, porque eu havia tomado o cuidado de ler apenas 10 dos 12 capítulos da HQ. Desse modo, fui ao cinema ainda sem a certeza de qual seria o final.
Se o desfecho me pareceu deprimente, por um lado; por outro, refletindo sobre a história toda, reconheci que fazia todo o sentido, e deixei a sala de cinema satisfeito. Me perguntava se o final da HQ seria mesmo aquele e, no dia seguinte, matei minha curiosidade, lendo os dois capítulos que faltavam.
O final do filme tem uma variação, sim, mas não compromete o aspecto geral da obra. A mensagem de esperança, de que a verdade nunca morre totalmente, está presente em ambas as produções. E o destino dos personagens principais também não muda.
Um aspecto negativo do filme talvez seja a impossibilidade de trazer as analogias e metáforas presentes na HQ. Mesmo sendo um filme considerado de longa duração, não traz nenhum item adicional aos quadrinhos. Faz alterações, mas não soma novidades. E a maioria das mudanças é meio que sem propósito, a não ser a explicação final, que pareceu ter o objetivo de simplificar um trecho de maior complexidade da HQ.
Mas, de maneira geral, é preciso reconhecer o mérito da produção, que na maior parte do tempo é fiel à histórica série dos quadrinhos, e que serve como celebração a uma obra inteligente como é a HQ Watchmen – cujos créditos vão para Alan Moore (argumento) e Dave Gibbons (arte).
Ainda dá tempo de assistir no cinema. Mas, se for possível, a leitura prévia da HQ é altamente recomendada ao espectador, que terá a chance de reconhecer no filme algumas “informações bônus” que só podem ser notadas pelos leitores. Além de facilitar a compreensão do início da história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário