Solidão é uma palavra que está sempre no aumentativo. Há! Pensei nessa frase ontem, e achei bem legal. Mas, como diz meu amigo que não acredita na originalidade, alguém já deve ter pensando nisso. E, pra ser sincero, já devo ter lido isso - ou quase isso - em algum lugar. Meu conceito de solidão é o seguinte... estar entre muitas pessoas, e ainda assim se sentir só.
Acho que o porteiro deve ter uma das profissões mais solitárias do mundo, apesar de sempre haver pessoas entrando e saindo dos prédios. O comportamento deles quase não varia. Lêem o jornal, ouvem rádio, assistem a uma televisão de poucas polegadas, cochilam, desenvolvem hábitos curiosos. Uns são mais simpáticos do que outros, mas é só. Nem consigo imaginar um porteiro com a família. A esposa e os filhos do porteiro...
*****
No Edifício Dr. Elizeu existem dois porteiros, que alternam turnos. Numa tarde de sábado cheguei no prédio e encontrei o porteiro. Parecia tão ansioso por encontrar alguém, que me reteve no saguão para contar uma piada que, disse, ele tinha divulgado numa das diversas rádios da Rua XV. “Vão colocar na internet”, me contou, orgulhoso.
Ouvi a piada, ri, e peguei o elevador. Quando voltei, ele me reteve outra vez para contar pelo menos outras três piadas, que fiz questão de esquecer depois, considerando seu conteúdo obsceno ou preconceituoso. No dia seguinte, antes que eu entrasse no elevador, ele veio outra vez. “Ei, me diga uma coisa, como funciona esse negócio de piada na internet?” Primeiro ele comemora o feito, depois quer saber o que fez.
Ao lado do Edifício Dr. Elizeu existe um outro prédio, e outro porteiro. Costuma sair e ficar ao lado da porta, ele em seu uniforme cinza. Eu só o vi fazendo o gesto uma vez, mas tenho quase certeza de que é um hábito... Ele tem o costume de empurrar a dentadura para fora da boca. Fico pensando se ele sabe que faz isso.
Imagino que seja um tique desenvolvido enquanto permanecia esperando pela próxima pessoa que entraria pela porta.
*****
No outro dia cheguei para o trabalho um pouco cedo demais. Ainda não tinha ninguém na pequena sala que serve de redação. Como chovia do lado de fora, permaneci na entrada do prédio, esperando que a chuva passasse, ou que o chefe chegasse.
Enquanto nenhuma das duas coisas acontecia, percebi que o porteiro esfregava com insistência um guardanapo na lente dos óculos. Finalmente, parou e olhou mais uma vez os óculos contra a luz. Com expressão de assombro, virou para mim e disse: “Parece que tem um número na lente do meu óculos! Veja aqui!!”
Obedeci e, depois de uma rápida inspeção, concordei. Talvez fosse a indicação do ângulo das lentes, ou algo assim, opinei. Mas o porteiro parecia maravilhado. Era como Indiana Jones encontrando a Arca do Pacto. A importância que ele dava ao pequeno detalhe impresso na lente me deixou surpreso. Até a mim, que sou acostumado a dar importância a detalhes.
Por causa disso, há algum tempo, já cheguei a pensar que poderia ser porteiro. Mas não levei a idéia adiante. Por duas razões básicas: primeiro, porque não gosto muito de ficar sozinho. Segundo, porque não me entendo com a classe. Parece que não nos interessamos pelas mesmas coisas.
Dia desses, enquanto estava no elevador, reparei nos botões que ninguém aperta: “P.O.”, “Luz”, “Emergência” e “Alarme”. Quando saí do elevador, não me contive, precisei perguntar ao porteiro:
_Já reparou nesses botões do elevador? O que quer dizer “P.O.”?
_P.O., espere aí, eu já lembro... É... “Parada Obrigatória”.
_Ahn... E quando eu uso isso?
_Ora, quando você tiver uma emergência!
_Ué? Então quando é que eu uso o botão “Emergência”?
_Quando... quando...
_E entre “Alarme” e “Emergência”, qual a diferença?
_É... é... Ah, sei lá! – perdeu a paciência e saiu.
Desde então, não me contou mais piada. E eu fiquei aqui, sozinho, pensando com meus botões.
Acho que o porteiro deve ter uma das profissões mais solitárias do mundo, apesar de sempre haver pessoas entrando e saindo dos prédios. O comportamento deles quase não varia. Lêem o jornal, ouvem rádio, assistem a uma televisão de poucas polegadas, cochilam, desenvolvem hábitos curiosos. Uns são mais simpáticos do que outros, mas é só. Nem consigo imaginar um porteiro com a família. A esposa e os filhos do porteiro...
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No Edifício Dr. Elizeu existem dois porteiros, que alternam turnos. Numa tarde de sábado cheguei no prédio e encontrei o porteiro. Parecia tão ansioso por encontrar alguém, que me reteve no saguão para contar uma piada que, disse, ele tinha divulgado numa das diversas rádios da Rua XV. “Vão colocar na internet”, me contou, orgulhoso.
Ouvi a piada, ri, e peguei o elevador. Quando voltei, ele me reteve outra vez para contar pelo menos outras três piadas, que fiz questão de esquecer depois, considerando seu conteúdo obsceno ou preconceituoso. No dia seguinte, antes que eu entrasse no elevador, ele veio outra vez. “Ei, me diga uma coisa, como funciona esse negócio de piada na internet?” Primeiro ele comemora o feito, depois quer saber o que fez.
Ao lado do Edifício Dr. Elizeu existe um outro prédio, e outro porteiro. Costuma sair e ficar ao lado da porta, ele em seu uniforme cinza. Eu só o vi fazendo o gesto uma vez, mas tenho quase certeza de que é um hábito... Ele tem o costume de empurrar a dentadura para fora da boca. Fico pensando se ele sabe que faz isso.
Imagino que seja um tique desenvolvido enquanto permanecia esperando pela próxima pessoa que entraria pela porta.
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No outro dia cheguei para o trabalho um pouco cedo demais. Ainda não tinha ninguém na pequena sala que serve de redação. Como chovia do lado de fora, permaneci na entrada do prédio, esperando que a chuva passasse, ou que o chefe chegasse.
Enquanto nenhuma das duas coisas acontecia, percebi que o porteiro esfregava com insistência um guardanapo na lente dos óculos. Finalmente, parou e olhou mais uma vez os óculos contra a luz. Com expressão de assombro, virou para mim e disse: “Parece que tem um número na lente do meu óculos! Veja aqui!!”
Obedeci e, depois de uma rápida inspeção, concordei. Talvez fosse a indicação do ângulo das lentes, ou algo assim, opinei. Mas o porteiro parecia maravilhado. Era como Indiana Jones encontrando a Arca do Pacto. A importância que ele dava ao pequeno detalhe impresso na lente me deixou surpreso. Até a mim, que sou acostumado a dar importância a detalhes.
Por causa disso, há algum tempo, já cheguei a pensar que poderia ser porteiro. Mas não levei a idéia adiante. Por duas razões básicas: primeiro, porque não gosto muito de ficar sozinho. Segundo, porque não me entendo com a classe. Parece que não nos interessamos pelas mesmas coisas.
Dia desses, enquanto estava no elevador, reparei nos botões que ninguém aperta: “P.O.”, “Luz”, “Emergência” e “Alarme”. Quando saí do elevador, não me contive, precisei perguntar ao porteiro:
_Já reparou nesses botões do elevador? O que quer dizer “P.O.”?
_P.O., espere aí, eu já lembro... É... “Parada Obrigatória”.
_Ahn... E quando eu uso isso?
_Ora, quando você tiver uma emergência!
_Ué? Então quando é que eu uso o botão “Emergência”?
_Quando... quando...
_E entre “Alarme” e “Emergência”, qual a diferença?
_É... é... Ah, sei lá! – perdeu a paciência e saiu.
Desde então, não me contou mais piada. E eu fiquei aqui, sozinho, pensando com meus botões.