26 de mai. de 2021

Um bom pedreiro deixa sua obra



O homem da foto é Ariosvaldo da Silva Batista Filho. Mas a maioria o conhecia apenas por Ari. Ele foi mais uma vítima da covid-19. E sua ausência é sentida por mim, minha esposa, minha filha.

Aos 62 anos de idade, Ari partiu sem se despedir, e ainda por cima com promessas de voltar.

Ari era pedreiro autônomo, mas se aventurava em quase tudo que era obra. Era o mestre do improviso, do reparo, do fazer funcionar. Descobri isso lá pelo ano 2014.

Minha esposa quis cobrir a lavanderia. Chamamos um sujeito que fez o serviço de qualquer jeito. Prendeu as telhas com prego de sarrafo. Na primeira chuva com vento a gambiarra estava exposta.

Eu vi que não adiantaria chamar o mesmo cidadão. Foi quando me passaram o contato do Ari. 

Lembro que ele viu com incredulidade o serviço mal feito. Perguntei se tinha como arrumar. Ele analisou, pensou no que fazer, e veio com a frase que depois eu consideraria seu mantra e bordão: "Dá pra fazer, mas... Vai ser difícil."

Apesar da dificuldade, ele arrumou mesmo. Tempos depois, a gente se mudou para um apartamento. Precisávamos de alguém que quebrasse a antiga pia do banheiro e montasse a nova.

O Ari foi a escolha óbvia. Novamente não decepcionou. Também seria ele a escolha para arrumar o telhado de meu sogro.

Quando, enfim, me deparei com outra casa, bem antiga e precisando de reformas, o Ari ajudou a decidir pela compra. Eu acabei aceitando o negócio porque confiava que o Ari ia ajudar nos reparos.

No ano passado, ele reforçou a estrutura do telhado o quanto pôde. Trocou as paredes de madeira cheias de cupim. Consertou parte do piso da lavanderia. Arrumou o vazamento do banheiro. Instalou a pia da cozinha. Aumentou o muro e refez o forro da garagem. Trocou a caixa d'água, retelhou a cobertura, substituiu as calhas. Reforçou o assoalho. Em cada cômodo ele teve uma participação. 

No dia 16 de março ele faleceu. Eu só fui saber em maio. Eu nem sabia seu nome completo. Lamentei ter que apagar seu contato do celular. Esperava ainda poder chamá-lo muitas vezes.

Com o amigo Ari deixei a chave da casa enquanto ele trabalhava sozinho. Era de confiança. Me deu os parafusos e emprestou o grampeador com o qual reformei um par de poltronas. 

Se ficasse um instante ao seu lado, ele parava o trabalho e ficava conversando. Parecia ser seu defeito, mas o meu defeito é que é não ter tempo para conversar com os amigos.

O Ari fazia preço justo. Propunha executar o serviço pra gente pagar depois quando tivesse dinheiro. Nunca aceitamos a proposta tentadora, marca de um profissional que também confiava no cliente.

O Ari era serviço essencial. Um de muitos na pandemia. E era pessoa formidável, que eu lamento não poder encontrar mais. Sei que deu o seu melhor em cada serviço que pedimos. Eu não disse a ele pessoalmente, mas falei que o chamaria sempre que precisasse, e ele viu que era verdade. Certamente o chamaria de novo nos próximos meses.

As pessoas boas vão e deixam suas marcas. Aqui em casa elas estão por toda parte.