1 de ago. de 2018

Por que o jornalismo ficou mais complicado?

Vou confessar aqui uma coisa: ser jornalista cansa!

Não me refiro ao trabalho maravilhoso de levar informação à população. Não falo da burocracia ou da dificuldade em localizar um ou outro entrevistado. Também não falo da necessidade de contar caracteres para compor cada espaço em uma página e assim facilitar a diagramação. Não reclamo de precisar agendar foto, de ter que ler todos os emails e mensagens em grupos de Whatsapp possíveis, de precisar replicar todo o conteúdo de impresso também em plataforma on-line e redes sociais.

Não me incomoda ter que acompanhar o desdobramento de reportagens antigas, checar denúncias da população sobre má administração pública, cobrar ação de autoridades. Nem sou afetado pela responsabilidade de checar quais palavras sofreram mudanças após o novo acordo ortográfico, ou seguir um manual de redação qualquer para manter o estilo editorial.

Também não é motivo de indignação o fato de precisar assistir a telejornais e ler tudo o que puder, mesmo fora de horário do expediente, para estar apto a discorrer sobre os mais variados assuntos em reportagens futuras. Nem me preocupo com a necessidade de ir a locais ermos e, por vezes, perigosos acompanhar perseguição a criminosos.

Não, porque tudo isso faz parte da profissão. A maioria desses itens eu já identificava nos tempos de faculdade. Outros surgiram com a natural evolução da atividade ou com minha chegada à editoria de Cidade/Polícia.



O que realmente me cansa, e faz com que eu respire com maior dificuldade, acorde menos disposto e durma com a mente cheia de preocupações, é que o jornalismo se tornou um espaço para que oportunistas se beneficiem de brechas, falhas ou naturais consequências, relacionadas ao exercício da profissão.

Os textos que publico são baseados sempre em relatos oficiais ou de testemunhas, documentos ou imagens. Ainda assim, as publicações estão sempre sujeitas a interpretações. E o fato de a Justiça no Brasil ser guiada por essas interpretações fez com que muitas pessoas se aproveitassem disso.

A consequência é que muitos leem o jornal procurando um indicativo de que foram, de alguma forma, prejudicados pela publicação. E basta que exista uma pequena centelha desse indício para que movam processo contra o jornal ou jornalista.

Um exemplo hipotético: a reportagem fala sobre o número de empregos ofertados no município, e a foto mostra o interior da agência do trabalhador. Em meio a tantas pessoas, um sujeito está segurando a carteira de trabalho. O detalhe é que ele não está desempregado. Estava trabalhando em uma empresa, e procurando uma nova oportunidade profissional. O patrão vê a foto no jornal do dia seguinte e chama o empregado. Diz que viu a foto e que, já que ele está procurando outra coisa, está demitido. Ele pode até processar o empregador por demití-lo injustamente. Mas o culpado de tudo, será o jornal, que publicou a foto geradora de sua demissão.

Parece absurdo, mas casos parecidos com esse são tão frequentes, que obrigam meu trabalho diário a omitir o nome da maioria das pessoas, evitar detalhe sobre endereços, não mencionar marcas de empresas, e ainda exige que rostos de pessoas, placas de carros e outdoors sejam cobertos com mosaico nas fotos a serem publicadas.

E isso cansa.

Cansa porque o jornalismo acarreta uma responsabilidade muito grande, por si só. E essas pessoas resolveram que são os jornais os motores de tudo de ruim que lhes acontece. Se não tivesse sido o jornal a publicar foto do empregado, mas sim um colega de trabalho traíra que o visse e tivesse contado isso ao patrão, ele processaria o sujeito?

Todos os dias, preciso pensar em consequências absurdas sobre cada nota policial publicada. Todo dia, preciso fazer isso em fração de segundos, já que o jornalismo diário não permite que eu pare e analise, junto com uma comissão de ética, o que pode e como pode ser publicado. E todos os dias, uma situação nova surge, independente de eu estar me precavendo sobre aquelas que possuem precedentes similares.

É como se eu tivesse um computador só pra usar o Word, mas mantivesse rodando os editores de vídeo e foto, realizasse vários downloads e abrisse várias abas de internet simultaneamente. Ok. Acabei de descrever meu computador na redação. Mas também é como funciona minha mente todos os dias. A diferença é que meu computador não suporta, superaquece e desliga sozinho duas a três vezes durante meu trabalho. Eu não tenho esse luxo.

"Ah, coitadinho dele. Quanto mimimi!", comentaria em tom irônico alguém que não sabe do que estou falando.

Estou falando de uma exaustão inerente não a uma empresa, nem a uma profissão, mas sim a alguns fatores que dificultaram a prática diária do jornalismo. Em especial: as redes sociais e maneira como aceleram os desdobramentos de uma reportagem; e a Justiça, que tem dado ganho de causa às pessoas que se dizem vítimas de publicações em jornais, desconsiderando as particularidades do jornalismo.

Não sei qual seria a solução para isso. Para que o jornalismo possa informar mais que ocultar informações. Não vejo como fazer isso. Só sei que a pergunta diária sobre como fazer isso cansa, e muito.

P.S.: Publico esse texto já preocupado com as consequências que me escapam.