21 de nov. de 2012

O fascínio dos velhos livros


Depois que mudei meu endereço, percebi que muito das coisas materiais que me cercavam não tinham um grande valor para mim. Notei que, de muitas delas, não era difícil me desfazer. Mas também reparei, sem muita surpresa, que os livros não faziam parte dessa lista de coisas a serem deixadas de lado.

Colocando os livros velhos na nova prateleira, relembrei alguns títulos muito bons, os quais precisei reler. De quase todos, eu já havia esquecido o conteúdo, restando na memória apenas vultos do que continham aquelas obras que eu insistia em guardar. Motivos eu tinha, e sabia que eram razoáveis, mesmo estando eles esquecidos.

Dentre os títulos, retirei há algumas semanas o livro “Ninguém Nada Nunca”, do argentino Juan José Saer. Esse autor, cujo texto conheci por acaso em seu livro “La Pesquisa” adquirido durante uma feira de literatura realizada em minha cidade anos atrás, se revelou ser um de meus favoritos por dois motivos principais: a forma narrativa com muitas vírgulas e poucos pontos, que leva o leitor de forma quase hipnótica para dentro da história; e a maneira como descreve pessoas, coisas e ambientes.

“Ninguém Nada Nunca” traz três palavras, em seu título, que quase não revelam coisa alguma a respeito de seu conteúdo. Há uma trama que envolve misteriosos assassinatos de cavalos em um vilarejo dos Pampas. No entanto, enquanto em “La Pesquisa” existe uma história de homicídios que conduz quase que totalmente a narrativa, em “Ninguém Nada Nunca” esses assassinatos são apenas o pano de fundo para que Saer possa fazer o que faz de melhor: descrever.

A leitura pode parecer até cansativa para quem não está habituado ao seu método, mas é seguramente uma obra de arte o modo como ele aplica a repetição textual e faz, assim, como que gradativamente o leitor construa mentalmente o universo descrito. E o leitor faz isso de forma quase imperceptível, envolto pela tensão que anuncia: algo está para acontecer.

Ao mesmo tempo em que o leitor espera com ansiedade que surja das sombras o algoz que assassina com um tiro “à queima-roupa” os melhores cavalos da região, e ao mesmo tempo que conhece um lugarejo envolto pelo clima tenso da ditadura militar (e o autor encontra aí uma forma de apresentar o tema) vai sendo apresentado o cotidiano dos personagens, dentre eles Gato, Elisa, Tomatis, e o ambiente, do qual faz parte a praia, a ilha, o rio, as árvores, a areia e, mais que tudo, o calor quase insuportável.

Pacientemente, o leitor aguarda o tal acontecimento que se anuncia implicitamente durante a história, e enquanto isso se envolve com a vida de pessoas desconhecidas, de trajetórias que poderiam ser classificadas com corriqueiras, mas que se revelam interessantes, como seria, talvez, a vida de quem quer que fosse, desde que houvesse uma descrição como a de Juan José Saer.

Ao terminar a nova leitura de Ninguém Nada Nunca, senti algo fascinante: saudades. Saudades dos personagens que tinha acabado de conhecer, mas cujos gestos, palavras e comportamentos me pareceram tão próximos como se os tivesse conhecido face-a-face.

Não é algo novo para leitores tal sensação. Mas nessa intensidade, é algo novo para mim. E é fascinante perceber algo novo assim com um livro que já tinha lido. Indica que não sou mais o mesmo que o leu anteriormente. Porque o sujeito que leu aquele livro, anos atrás, não percebeu essa sensação ao concluir a leitura. É bom saber que ainda posso me fascinar com alguma coisa. Que bom que seja com um livro.