23 de abr. de 2011

O boteco de Seu Rui

Após o feriado de Sexta-feira Santa, a redação do Jornal da Manhã voltou a ser povoada por essas criaturas estranhas denominada repórteres e diagramadores.

Na verdade, talvez essa raça devotada ao trabalho em jornais não seja, realmente, composta por filhos de Deus. Afinal, neste sábado, mesmo a Igreja do Rosário amanheceu com suas portas fechadas.

Cheguei ao jornal o mais cedo possível, na tentativa de adiantar o trabalho e sair também mais cedo. Tinha concluído a parte escrita às 9h45, então desci para tomar um café.

Ao lado do jornal tem uma lanchonete sem nome, que está sempre aberta. Encontrei lá um senhor um pouco barrigudo, que prestava atenção à TV. O noticiário mostrava as imagens de jovens deitando no asfalto, no meio da noite, por pura diversão/loucura.

"Bom dia. Tem café?", perguntei, enquanto ele apenas balançava a cabeça para dizer que sim.

Achei que ele não estava de bom humor, e que não tinha a mínima intenção de conversar. Mas, que nada. Seu Rui já estava era impaciente de ficar dois dias parado, sem fazer nada. Houve tempo em que ele gostava de um feriado, quando era funcionário contratado. Agora, aos 53 anos, dono do próprio negócio, prefere ir trabalhar em sábados pouco movimentados, juntando alguns trocados a mais, do que ficar em casa. "As contas não param", diz.

O boteco de Seu Rui é simples, mas o café e a coxinha não são ruins. As parede indicam parte de sua inclinação política e religiosa. Algumas orações, uma ou duas estátuas de santos, um antigo calendário com a foto do Jocelito e um quadro fazendo referência ao time do coração: Palmeiras.

"Já fui de tudo nessa vida, menos ladrão", disse Rui, que depois lembrou que também não foi engraxate, pois a barriga o impedia de colocar o caixote diante de si.

Ao dizer que não foi ladrão, contou o fato que o fez deixar para trás a ideia de roubar. Aos 19 anos, furtou um wafer de um mercado que ficava na Avenida Vicente Machado, nas proximidades de onde hoje é a loja Maxitango. Na hora de pagar as compras, o gerente disse a ele que faltava pagar o que estava em seu bolso. Pior do que ser descoberto, foi passar vergonha em um mercado lotado. Mas foi importante, e uma lição para que nunca mais pegasse algo que não fosse seu, disse.

Enquanto conversávamos, três ou quatro pessoas que passaram na rua o cumprimentaram. O importante é que hoje ele não é lembrado como o ladrão de 34 anos atrás. Hoje todos o conhecem pelo nome, tanto que seu estabelecimento nem nome precisa ter.

22 de abr. de 2011

Ignorando a competência

Um grande conflito se instala em minha mente: a batalha entre o que eu faço, o que compete a mim fazer, e o que eu devo realmente fazer.

Talvez seja um dos maiores problemas da sociedade contemporânea. Muito se fala que as pessoas deixaram de se preocupar umas com as outras, e isso é um indicativo de que é verdade. Só não sei o que é causa e o que é consequência nessa história.

Sempre me revoltei com as pessoas que fazem apenas aquilo que é de sua obrigação. Acredito que essa é a razão pela qual muitas coisas boas deixam de acontecer. E, nessa semana, tive a prova real.

Na verdade, tudo começou há cerca de um mês. O colega chargista J. Robson,

codinome “Sádico”, esteve no jornal e veio conversar comigo:

- Daí, velho... e o livro cara? Sai ou não sai?

Ele se referia ao livro “Traços de PG”. Há cerca de dois anos, o Jornal da Manhã havia inscrito um projeto, aprovado pela Lei Rouanet de incentivo à cultura. O livro, intitulado “Traços de PG” iria reunir meus cartuns e as charges do Sádico. Mas a captação de recursos, até onde eu sabia, tinha estagnado em algo em torno dos 50%, de modo que a publicação do livro ainda era apenas uma boa intenção.

- Eu tava pensando... – ele continuou – acho que tá na hora de a gente se mexer. Porque, se depender dos outros, então não vai sair esse nosso livro. Vamos aplicar terrorismo, tática de guerrilha...

A ideia não me pareceu de todo ruim. Por outro lado, eu estava pouco inclinado a fazer algo a respeito. Embora a publicação do livro fosse de meu interesse, fazer qualquer esforço adicional para isso me parecia incorreto. Nosso trabalho deveria ser apenas de separar tiras e charges para compor a obra. A diagramação e impressão, se bem me lembro, estava a cargo da Toda Palavra Editora. O projeto era do Jornal da Manhã, a coordenação de projetos era da Talita, e a busca de recursos para publicação era da ABC Projetos. Cada qual tinha sua responsabilidade.

Apesar disso, iniciamos na semana seguinte uma série de comentários no Twitter, com objetivo de relembrar o livro, já esquecido, e manifestar nossa indignação com o projeto que parecia ainda distante. Houve algumas manifestações de apoio de amigos e colegas.

Os comentários no Twitter culminaram em uma curta tirinha que fiz e publiquei no Twitter e no Facebook, a partir de uma ideia que foi até sugestão do Sádico em nossa primeira conversa.


Logo em seguida, o Sádico fez uma tira excelente, também levando em consideração a demora na execução do projeto.

Mais tarde conversei outra vez com Sádico, e informei a ele que, na verdade, nem mesmo os 50% dos recursos para o livro tinham sido arrecadados. E que, tínhamos somente até dezembro para captar o restante, ou para reiniciar todo o projeto de novo, do zero. Ele indicou que sairia em busca de patrocinadores.

Mas eu não me imaginava buscando patrocínio para o livro, até porque esse era o trabalho da empresa contratada para esse fim. No entanto, dias depois uma informação nova surgiria.

Eu estava preparando a entrevista que faria para a revista Urbe com o secretário de Estado de Cultura, Paulino Viapiana. Pesquisava projetos em execução pela Secretaria, quando li mais detalhadamente o projeto ‘Conta Cultura”, que existiu entre 2001 e 2003 e, no mês passado, foi reativado. Basicamente, através dessa iniciativa, o Governo do Estado se encarregava de buscar patrocinadores para projetos culturais já aprovados pela Lei Rouanet. Pensei: espera aí... será que o livro “Traços de PG” não se enquadra nisso? Talvez. Mas o detalhe era o seguinte: o prazo para inscrição de projeto expirava em dois dias.

A diretoria do jornal estava em reunião. Falei com a Talita, coordenadora de projetos, que verificou rapidamente e confirmou que o livro poderia ser inscrito no “Conta Cultura”. Em seguida liguei para a ABC Projetos, onde fui informado pela funcionária que, de fato, nosso livro não tinha sido inscrito no projeto. “Me mande um e-mail explicando bem certo o que é o projeto”, disse a funcionária, que sequer sabia do que se tratava.

Depois de enviar o e-mail com o link e um texto explicativa, recebi sua resposta: “Vou dar uma lida com calma, e qualquer coisa te respondo.” Considerando que tínhamos dois dias, enviei novo e-mail com a seguinte mensagem: “Te ligo à tarde”.

O resultado veio logo após o almoço. A funcionária da ABC Projetos me ligou para dizer que, sim, o livro poderia ser inscrito no projeto. Ela estava preparando os documentos para enviar ainda naquela tarde, e só bastaria uma assinatura do diretor de redação do Jornal, para que tudo fosse enviado via sedex no mesmo dia. Na verdade, não só o “Traços de PG”, como também o projeto “Fragmentos”, do JM, pode ser inscrito no programa.

Assim, poucas horas depois, já colhida a assinatura necessária, entreguei dois envelopes, sendo um de nosso livro, para a Taina, na recepção do Jornal. E pedi que enviasse no mesmo dia pelos correios.

O fim de tarde me trouxe uma sensação muito boa, de ter feito o máximo possível para que o livro fosse publicado. Duvido que pudesse ter ajudado mais que isso. Também ainda depende da aprovação da comissão nomeada pelo Estado para escolher os projetos, mas acredito que temos chance.

No entanto, e se eu não me mexesse? E se deixasse apenas para os responsáveis pela captação de recursos, que sequer sabiam do que se tratava o “Conta Cultura”? Daí vem a pergunta... devemos fazer apenas o que é de nossa responsabilidade, ou tudo aquilo que for necessário, independente de nossa competência?

Tudo o que sei, é que quero ver o livro publicado. E que a guerrilha que começou no Twitter ainda não acabou...

***

No dia seguinte, a Taina me diz que os Correios ligaram pro jornal, e que dois envelopes enviados no dia anterior tinham sido extraviados. Os dois inscritos no projeto “Conta Cultura”. Foram trinta minutos de meu desespero, até que os Correios localizassem os pacotes, que já estavam em seu destino.