13 de jan. de 2011

Uma peça de museu no supermercado

Existem algumas coisas que poderíamos chamar de arcaicas, num mundo em que vários megabytes de informação são carregados em um equipamento do tamanho de uma unha. Por exemplo, há alguns meses comprei um CD para limpar drive de disco.

Sabe como é... o aparelho de som estava meio esquisito, não aceitava qualquer CD. Já estava rejeitando até os originais (e não estou falando dos Originais do Samba que, nada contra, mas não estão em meu acervo.

Coisa de louco o tal CD para limpeza. Você pinga duas gotas de um líquido especial, em um CD que vem no kit. Aí coloca no drive do disco, e fica ouvindo uma música clássica, enquanto o CD faz todo o resto, verificando o som e limpando o leitor ótico.

É estranho pensar nisso porque lembro que há 20 anos (sim, estou ficando velho), já existia algo muito parecido. Eram fitas cassete para limpar o “cabeçote” do toca-fitas do automóvel, por exemplo. Pingava-se a gota do líquido e deixava a fita rodar lá dentro.

Mais esquisito ainda foi me deparar com outro item, à venda no Supermercado Tozetto do Jardim Carvalho. Algo que eu sequer sabia que existia: um limpador de drive de disquete! Caracas... as livrarias praticamente nem vendem disquete mais, e se venderem não compensa a compra, já que os CDs são mais baratos e com maior capacidade.

Por isso foi bizarro encontrar nas prateleiras, com a mesma naturalidade com que se encontra um pendrive, o tal limpador de drive de disquete. Por apenas R$ 4,11, se você correr, ainda pode encontrar o objeto à sua disposição. E deve ficar ainda um bom tempo por lá. Alguém aí ainda usa disquete??

O que me lembra outra curiosidade: outro dia estive no Sebo Espaço Cultural, lá na Rua XV de Novembro. Estava dando uma olhada em filmes antigos em fita VHS [e me odiando por não ter um vídeo-cassete], quando encontrei duas fitas ainda emplastificadas. Fitas para gravação... as chamadas fitas VHS virgens!! Cerca de 95% dos filmes à venda ali custam apenas R$ 2. Mas essas duas fitas custam R$ 10 cada. Raridade é raridade...

12 de jan. de 2011

Será o fim dos Nokia 5000?

Depois de voltar de uma inesquecível viagem que inclui Guaraqueçaba, Morretes, Caiobá e Paranaguá, durante um dos períodos de chuva mais forte do ano, voltei ao dia-a-dia de Ponta Grossa. Uma das coisas mais comuns do mundo é ir ao supermercado, e acho que foi durante as compras que, sem perceber, perdi meu celular. Talvez tenha derrubado enquanto apanhava algo nas gôndolas. Talvez tenha caído do bolso quando entrei no carro no estacionamento.

O fato é que me dei conta de que não estava com o aparelho, duas horas depois. Liguei para o número, e percebi que estava desligado. A pessoa que estava de posse de meu telefone havia desligado o equipamento, o que denotava profunda má fé.

Fiquei realmente chateado. Não fazia nem dois anos que eu tinha adquirido o aparelho, e eu tinha feito uma verdadeira peregrinação para encontrar o modelo que mais se adequava às minhas necessidades. Na ocasião, terminei encontrando o simpático Nokia 5000. Disponível nas cores verde e roxo, optei pelo verde. Câmera razoável para registrar bons momentos, gravador de voz para registrar as entrevistas que faço para o jornal, e o menor peso e tamanho possíveis, de modo a não fazer volume no bolso. Ah, sim, e o preço mais em conta.

Era um aparelho perfeito para mim. Mas eu o havia perdido. No dia seguinte, após bloquear o chip e criar um novo com o mesmo número, entrei no site da Nokia, pois pensava seriamente em comprar outro idêntico. Mas não havia nenhum disponível para venda. Sumiram completamente de estoque.

Mais tarde, andei pelas ruas da cidade à procura do Nokia 5000, e não encontrei nenhum à venda. Tive que comprar outro modelo. Não é ruim o Nokia 2730. Tem uma câmera de vídeo um pouco pior, mas apresenta quase os mesmos recursos de seu antecessor, e custou dez reais a menos que o outro.

Mas, lamento ter perdido o celular antes de descarregar as fotos feitas entre Guaraqueçaba e Paranaguá. Viagem digna de maiores registros. No jornal onde trabalho, uma colega, a Juliana, tinha um aparelho igual ao meu, só que na cor roxa. O jeito era me conformar em voltar de férias vendo, eventualmente, o celular dela e sentindo saudades do meu.

Eis que volto de férias e encontro a Juliana com outro modelo de celular. “Ué? Que houve com seu outro celular”, perguntei. “Perdi... no Centro de Eventos”.

Aí comecei a pensar... será que perdemos, ou fomos realmente furtados? Não será tudo isso parte de uma conspiração para extinguir um celular perfeito? Alguém aí ainda tem o Nokia 5000 no bolso? Então, cuide bem dele.

6 de jan. de 2011

Sim, chegamos a Guaraqueçaba!

De volta das minhas férias, meu colega Alan, que trabalha na diagramação do Jornal, perguntou como eu tinha aproveitados as férias. Respondi que fui para Guaraqueçaba, achando que ele não compreenderia o alcance de minhas palavras, já que a maioria das pessoas não sabe onde fica isso, e apenas pensa que se trata de algum lugar em São Paulo. Em lugar disso, ele arregalou os olhos e perguntou: “Você conseguiu chegar?”

Sim, ele sabia do que eu estava falando...

***

Este ano tive, excepcionalmente, dois meses de férias. Um no início do ano, quando me concederam o descanso com cinco meses de atraso; o segundo em novembro. Isso porque solicitei que minhas férias viessem antes. Estava tão cansado, estressado, tal é o nível de concentração que o trabalho exige, que imaginei que não suportaria esperar até março novamente.

Foi bom... dediquei quase todas as férias a um período maior de meditação. Quase não viajei nem fiz grandes coisas. Eu e minha namorada fizemos apenas uma viagem um pouco maior até o município de Morretes (PR), onde já tínhamos ido no ano passado. Depois voltamos para Ponta Grossa, sem que eu tivesse matado minha vontade do prato típico da região, o barreado.

Mas a Pri exigia ao menos mais uma viagem nos últimos dias de descanso. Meu amigo Ben-Hur tinha enviado sugestão, via twitter, de uma pousada em um lugar chamado Guaraqueçaba (PR), perto do litoral, em plena Mata Atlântica. O site da pousada a fez parecer confortável e interessante. Via MSN, conversei com a proprietária, Carmen, e agendei dois dias de estada.

Para garantir que tudo correria bem, também agendei a revisão de meu Fiat Palio na concessionária Fiat CVL de Ponta Grossa. Havia atingido os 15 mil quilômetros rodados, e o manual especificava que era momento de um check up.

Dias depois, a revisão foi feita. Paguei pela troca de óleo e outros detalhes. Não foi barato, mas saí da oficina feliz por ser um sujeito precavido tal qual o bode Japeth do filme “Deu a Louca na Chapeuzinho”. Mas, no mesmo dia, notei que um ruído estranho tinha ficado sob o carro. Tive que levar novamente o veiculo à concessionária no dia seguinte. Uma peça havia sido deixada frouxa. Estranho foi que, a peça frouxa não fazia parte dos itens verificados na revisão.

Minhas teorias conspiratórias começaram a surgir. E nada tirava de minha cabeça que os mecânicos tinham colocado uma espécie de bomba relógio em meu carro, preparando uma armadilha para que eu precisasse futuramente de seus serviços.

No entanto, fiquei tranquilo depois que corrigiram o som estranho. Até que, cerca de uma semana depois, o carro começou a virar o volante, sozinho, para a esquerda. O alinhamento de rodas, de algum modo, não tinha cumprido seu objetivo. Outra vez levei à concessionária, e o problema foi corrigido.

Já sem muita confiança, dirigi por mais um ou dois dias, quando começou um ruído estranho no motor. Temendo que fosse algo grave, levei à CVL. O sujeito que veio me atender foi o mesmo das outras vezes. Seu nome: Édio. Apenas uma letra o diferenciava do “ódio” que eu começava a sentir daquele lugar. Diagnóstico: problema na bomba de água. Custo: quase R$ 900!!! E a revisão? Segundo ele, esse item não estava entre os verificados. Sei...

De posse do diagnóstico, levei o carro a outra oficina, que faria o mesmo serviço por bem menos. Mas a agenda do mecânico oferecia a manutenção apenas para a próxima semana. E nossa viagem estava marcada para dentro de dois dias.

Por um instante hesitei. E se a bomba de água desse problema justo durante a viagem? Iria fundir o motor e ficaríamos na estrada... Teimoso e, já tendo pago metade do custo da hospedagem, agendei o conserto para a semana seguinte, refiz o seguro do automóvel, fiz algumas fortes orações, e decidimos partir, em mais uma viagem rumo ao desconhecido.

***

Não saia de casa apenas com o mapa mental

Saímos na manhã de domingo. Um dia de mormaço. Seguíamos o mapa retirado da internet. O Google Maps informava que chegaríamos ao destino em cerca de quatro horas. A cada quilômetro eu observava no painel do carro a temperatura do motor, e torcia para não precisar ligar para a seguradora.

Tudo correu bem até que chegamos perto de Curitiba. Seguindo as indicações do mapa, virei à direita e percorri cerca de 20 quilômetros até que a Pri me convenceu de que podíamos estar no caminho errado, dado a raridade de placas indicativas.

- Assim vamos chegar no Rio Grande do Sul! – ela dizia, me mostrando que eu estava indo na direção dos pampas.

Parei num posto de gasolina e abordei o caminhoneiro que não estava bebendo cerveja, e que me disse que, de fato, se eu queria ir para Guaraqueçaba, deveria voltar por onde tinha vindo, e seguir no caminho da Paranaguá.

Desacorçoado, retornei o trajeto já feito, e passei a seguir as placas. Teria o Google Maps me traído pela primeira vez? Ainda pensava nisto quanto encontramos um mega engarrafamento. Durante cerca de uma hora ficamos presos sob o sol forte do meio-dia. A fome começava a nos atacar. Tiramos nosso kit de sobrevivência de dentro do porta-luvas: uma garrafa com água e um pacote de salgadinho Pingo d’Ouro.

O motivo do engarrafamento tinha sido a colisão entre dois caminhões, um deles carregado de salsichas. Em seguida pudemos continuar o caminho. Pagamos alguns pedágios. Então, olhei para o hodômetro, e reparei que já tínhamos rodado cerca de vinte quilômetros além de onde deveria haver uma estrada para Guaraqueçaba. Paramos numa lanchonete de um lugar chamado Campina Grande do Sul (outrora conhecida como “lar do Chupacabras”) para pedir informação. Teríamos feito um lanche, mas estávamos mais preocupados em encontrar o caminho.

A atendente, muito solícita, ofereceu o computador para que usássemos a internet novamente. Mas o Google Maps insistia em me dar o caminho que quase levava a Santa Catarina. A funcionária abriu um mapa que estava à venda no estabelecimento. Consultando os dados cartográficos, anunciou:

- Vocês estão quase chegando em São Paulo! Terão que voltar 20 quilômetros, passar novamente pelo pedágio. Ai vão encontrar o caminho, que já deixaram para trás.

Tomamos uns refrigerantes ali, e a Pri ligou para a dona da Pousada, e explicou que estávamos perdidos. Somando as orientações da lanchonete e da pousada, tivemos que retornar 20 quilômetros e passar outra vez o pedágio, onde nos informaram que o caminho mais curto, naquele momento, para Guaraqueçaba, era pela Estrada da Graciosa.

***

Um lindo caminho que eu preferia evitar

A Estrada da Graciosa é conhecida por ser apenas subida, ou apenas descida. Depende de quem vai ou de quem vem. O que todos concordam é que é um trajeto que “judia” do carro, do motor, dos freios. Nosso Palio estava pedindo sossego, depois de tantas incursões à oficina. Por essa razão, eu havia planejado viajar através de outros caminhos, e evitar a Estrada da Graciosa. Mas terminamos chegando até ali e, como já estávamos muito atrasados, decidi arriscar uma vez mais. Descemos a Estrada da Graciosa.

Pelos caminhos estreitos de paralelepípedos, entre arvoredos de hortênsias, percorremos a Estrada com tranquilidade, apenas um pouco tensos com a aparente chuva que se aproximava, depois de uma manhã de intenso calor. Chuva naquela estrada não é bom, porque as pedras ficam ainda mais lisas. Mas, alguns minutos depois, havíamos concluído mais essa etapa, encontrando uma placa que indicava as direções de Morretes, Antonina e, finalmente, Guaraqueçaba. Era a primeira vez que líamos aquele nome numa placa, desde que saímos de casa.

Seguimos por mais uns vinte quilômetros, até que encontramos uma entrada à direita, que indicava o caminho para Guaraqueçaba. Agora estamos perto, pensei. Tínhamos que estar. Afinal, fazia seis horas que estávamos na rodovia. Eu nunca tinha dirigido tanto. Dez metros depois, acabou o asfalto, e teve início uma tenebrosa estrada de terra, buracos, e muita, muita pedra. Não confundir com cascalho... cascalho é uma coisa legal perto daquilo.

Vinte quilômetros depois, encontramos algo que parecia ser um boteco. Apenas uma menina de uns dez anos estava em frente. “Guaraqueçaba é por aqui mesmo. São 70 quilômetros”, ela informou, e reafirmou diante de minha incredulidade. Mais 70 quilômetros numa estrada em que a velocidade oscilava entre 20 e 40 quilômetros por hora. Nunca mais que isso.

Mais dez quilômetros de muitas pedras, e começou a cair a chuva. Pense numa “CHUVA”...

***

Vá de celta pra Guaraqueçaba!

Ao nosso encontro vinham jipes, trollers, tanques de guerra... O carro mais comum que veio em nossa direção devia ser um corsa ou um celta... e estava sendo trazido por um caminhão-guincho. A essa altura do campeonato eu até já esquecia da temperatura do motor. Até porque, se houvesse qualquer problema, nem teria como acionar o seguro que eu tinha feito. Celular não tinha sinal ali. Estávamos vários quilômetros isolados da civilização. Comecei a me preocupar com o combustível. A previsão era de que chegaríamos ao destino com a gasolina quase na reserva.

Surgiu uma caminhonete. Fiz sinal para que parasse. Um sujeito simpático abriu o vidro, em meio a toda aquela chuva.

- Falta muito para Guaraqueçaba? – perguntei

- Mais uns 60 quilômetros. – ele disse

- Lá tem posto de combustível?

- Em Guaraqueçaba tem.

- Será que o Palio aguenta esse trajeto?

- Acho que sim... só vai devagar e cuidado com as pedras.

De posse do conselho, persistimos no caminho. E água que vinha do céu! Muita água! Paramos um instante, quando nem o limpador de pára-brisas vencia o volume pluviométrico. A Pri estava num nível de tensão bem pior que o meu. Uma mão agarrada ao assento do banco, a outra agarrada firmemente à porta. Olhos fixos na estrada, sempre me alertando para as pedras e buracos maiores.

Tanto alerta me cansou, e passei o carro para que ela dirigisse um pouco, algo que achei que a tranqulizaria. E assim fomos, com a Pri desviando um pouco dos buracos e rochas gigantes, até que chegamos a uma encruzilhada. Novo boteco. Os caras que bebiam cerveja (onde quer que você vá, sempre tem caras bebendo cerveja...) informaram que o caminho era o da esquerda, por mais 40 quilômetros. Só então vi uma placa, já encoberta pela vegetação da Mata Atlântica, que dizia: “Guaraqueçaba”. E apontava, de fato, para o caminho da esquerda.

Retomei a direção, e seguimos pacientemente o trajeto indicado. Já tinha me acostumado a desviar das rochas, mas ainda me surpreendia com algumas pessoas que, de vez em quando, víamos passando a pé, no meio do nada. Já devíamos estar quase concluindo os 40 quilômetros indicados, quando um grupo de três ou quatro pessoas passou, e um ou dois sujeitos gritaram alguma coisa. Me distraí olhando para o retrovisor, e passei rapidamente por uma das pedras que deveria ter desviado.

Paramos o carro para dar uma olhada. Mas tudo parecia normal. O pobre Palio realmente não era fraco. Todas aquelas pedrinhas espirrando para todo o lado e as pedras maiores a ameaçá-lo. A Pri dizia que nosso Palio era uma Troller disfarçada.

***

É aqui que é aqui?

Enfim, depois de três horas de estrada de pedras e buracos, e outras seis horas de rodovias, chegamos a um pequeno povoado, onde várias casas de madeiras tinham placa de vende-se.

Paramos diante de uma delas, que tinha uma inscrição que fiz questão de fotografar:

“VENDE-SE. DUVIDO QUE VENDA. SE VENDER, NÃO ACREDITO”.

Eu ainda tirava a foto com meu celular quando uma menina de cerca de sete anos se aproximou, e a Pri aproveitou para pedir informação.

- Estamos muito longe de Guaraqueçaba?

- Vocês já estão em Guaraqueçaba. – a menina respondeu, enquanto eu ria da resposta.

A menina foi precisa ao indicar o caminho da pousada. Apenas mais umas três quadras. Começava a escurecer quando chegamos diante de uma pequena placa que dizia “Pousada Flor da Serra”.

A casa parecia uma mansão. Ao menos a viagem tinha valido a pena! Subi a rampa de acesso e dei duas buzinadas diante da construção de dois andares. “Já que demoramos tanto, os donos da pousada devem estar nos esperando”, pensei.

Um casal surgiu na sacada. Foi aí que, depois de comentários da Pri, me dei conta de meu erro. Ali era terreno particular. O casal me orientou a dar ré e continuar mais alguns metros. Foi então que vi que a placa que eu havia lido estava parcialmente encoberta pela vegetação (aparentemente, algo comum na região). Havia uma seta indicando que a pousada era mais adiante.

***

Uma decisão quase imediata

Paramos diante da tal pousada. Um sujeito estranho apareceu quando descarregávamos a mala. “Até que enfim chegaram”, ele disse. Seu nome era Odyr, e já começou fazendo uma revelação que não me agradou. Embora eu achasse que tinha conversado ao MSN com sua esposa, Carmen, era ele quem falava comigo pela internet. Perdi a confiança nele naquele momento.

Ele nos mostrou o caminho até nosso quarto e, no caminho, vi a piscina que não aproveitaríamos. Simplesmente chovia demais. Há tempos eu não via tanta chuva.

Estávamos suados, cansados, grudentos e famintos. O Pingo d’Ouro tinha sido a refeição do dia. Mas, quando perguntamos por comida, veio a informação ruim: a pousada só oferecia o café da manhã.

“Mas tem restaurantes para vocês fazerem uma refeição. Servem pizza”, disse Odyr. A informação nos tranqüilizou. Mas ele, em seguida, eliminou nossos planos de apenas tomarmos banho e irmos à procura de alimentação. “Tomem um banho, acomodem suas coisas, depois voltem aqui [na recepção]. Vocês ficarão mais dois dias, então precisamos traçar um roteiro para que vocês possam fazer o melhor aproveitamento do período que ficarão aqui”.

O quarto era pequeno. Tinha velhas persianas na janela. Uma cama, um criado-mudo e um ventilador. Ao entrar, quase caímos, tal era o desnível do assoalho, que tinha quase o formato côncavo. Logo de cara, notei teias de aranha nos cantos do teto, e antipatizei com todo o resto.

Deixei que a Pri fosse tomar um banho, enquanto eu ia ligar para nossos pais, apenas para avisar que havíamos chegado bem. Sim, embora o celular não funcionasse ali, havia telefone fixo. Depois voltei e também tomei um banho. O box tinha uma cortina de plástico que ficava grudando na pessoa que estivesse tomando banho. O chão estava empoeirado, e sujei o pé assim que saí do banheiro.

De posse de profunda reflexão e intensa aversão ao lugar, anunciei uma tomada de decisão para minha namorada:

- Olha, Pri. O lugar é péssimo. Veja essas paredes como estão sujas! O chão é desnivelado e não tem TV, nem frigobar! Além do mais, com tanta chuva, como vamos aproveitar o passeio? Eu proponho que a gente saia, faça uma refeição num restaurante, passamos a noite aqui, e amanhã de manhã vamos embora. Pegamos toda essa estrada ruim de volta e vamos para a praia de Caiobá ou Guaratuba, e ficamos em outra pousada por lá.

A Pri concordou imediatamente. Havia bastante lucidez nos meus argumentos. Voltaríamos no dia seguinte.

***

Fooooooome!

Mas, embora estivéssemos decididos a ir embora no dia seguinte. Ainda estávamos com fome. Não tínhamos almoçado, e era mais do que hora de comer alguma coisa. Fomos buscar informações sobre onde jantar.

Antes de nos dar a informação, Odyr quis mostrar o que poderíamos fazer no dia seguinte. Sugeriu um passeio até a Ilha do Superagüi e sua praia deserta, onde poderíamos ver o mico-leão dourado. Ou uma incursão a uma cachoeira não muito longe dali. As duas sugestões nos pareceram pouco convidativas. A Ilha exigiria o pagamento de R$ 160 numa travessia de barco, e visitar uma cachoeira não é o melhor programa para um dia de chuva, como parecia prometer o tempo naquela noite.

“O passeio de barco pode sair mais barato se vocês dividirem o valor com o outro casal que está hospedado conosco”, comentou, acrescentando “...apesar de que existe um limite de peso e o barco pode virar com muita gente”. O sujeito tinha a mania de destruir as próprias sugestões que fazia.

Insistimos no roteiro para o lanche, já que a Pri estava ficando verde de fome. Finalmente, Odyr rabiscou em um pedaço de papel um breve roteiro. Segundo ele, havia uma rua principal à beira-mar, onde três restaurantes ou lanchonetes nos esperavam. E um outro local no caminho para lá, onde poderíamos comer pizza. Ao ouvir a palavra pizza, vi os olhinhos de minha namorada brilhando.

Foi mais ou menos neste momento que surgiu diante de nós um sujeito de poucas palavras chamado Álvaro. Ele era o outro hóspede da pousada.

- Como está a esposa? Mais calma? – perguntou Odyr, ao que Álvaro deu a entender que a digníssima mulher, por algum motivo, não estava boa da cara.

Nisso, algo bizarro aconteceu. Querendo tornar mais agradável a estada do casal, Odyr ofereceu carona aos dois, até a rua principal, onde eles poderiam fazer um lanche. Nada de mais, só que ele ofereceu carona no nosso carro!

- Eles estão indo de carro fazer uma refeição... você e sua mulher podem ir junto... – disse, na maior cara de pau.

Eu e a Pri não tínhamos intenção de oferecer carona a ninguém. No entanto, como a oferta tinha sido feita diante de Álvaro, não ficava de bom tom recusar. E assim, aguardamos a esposa do hóspede, Cléa, que afinal se revelou pessoa agradável, e juntos seguimos pelas ruas cobertas de poças d’água, rumo a algum restaurante.

***

As alternativas vão se esgotando...

Seguimos o mapa esboçado por Odyr, e no caminho descartamos duas opções de restaurantes, incluindo o que oferecia pizza. Ambos estavam fechados. Seguimos até a tal rua que ficava à beira-mar. Era uma grande praça, com uma mureta diante da baía. Do lado esquerdo estava o único posto de combustível, nossa oportunidade de ir embora, e que naquele momento estava fechado. Do lado direito, dois restaurantes e uma lanchonete, dos quais apenas a lanchonete estava aberta.

Naquele momento a chuva voltou com intensidade. Terminamos optando pela única alternativa possível: a lanchonete. Álvaro e Cléa nos acompanharam, e foi durante esse tempo que soubemos um pouco mais sobre o casal. Ambos vinham de Manaus, e estavam acostumados a fazer viagens, mas ficaram surpresos com Guaraqueçaba, assim como nós.

Antes de chegarem àquele fim de mundo, onde só era possível chegar após 40 minutos de voadeira (uma espécie de barca), três horas (sofridas) de automóvel, ou sabe Deus quanto tempo em um sacolejante ônibus, os dois estiveram em Paranaguá. Lá encontraram, ao menos, lugar para fazer uma refeição, e puderam ver o fandango, dança típica local.

Mas, Guaraqueçaba sequer abria suas portas aos domingos. Encontramos uma cidadezinha fantasma, onde a salvação de nossos estômagos foram os salgados daquela simples lanchonete, que também poderia ser chamada de boteco, única aberta da lista contida no mapa feito pelo dono da pousada.

Enquanto conversávamos, trocávamos impressões a respeito da pousada Flor da Serra. Sem saber, Odyr havia unido dois casais insatisfeitos. Em lugar de nos convencer a irmos juntos para um passeio até a Ilha do Superagui, ele fez com que ampliássemos nosso desejo de ir embora.

Cléa nos contou que estava mais indignada porque, ao chegar, Odyr a advertiu sobre as cobras que poderiam estar dentro do quarto. E que ela deveria dar uma boa olhada antes de entrar. Aliás, foi algo que ele não nos alertou.

- Em Manaus existem cobras... mas são todas domesticadas! – brincou Cléa.

De fato, as portas dos quartos estavam todas abertas quando chegamos de viagem. Nem sequer olhamos embaixo das camas. Haveria soro antiofídico naquele lugar onde muitos tentavam, sem sucesso, vender suas casas?

A Pri devorou rapidamente uma coxinha, enquanto eu comia outro salgado. Segundo ela, era a melhor coxinha do mundo. Com certeza a opinião era reflexo da fome. Ela resolveu pedir mais uma, e descobriu que aquela tinha sido a última coxinha da casa. Confesso que tive pena dela. Mas, estávamos no mesmo barco. Felizmente, em terra firme. Ainda esperamos para ver se algum dos restaurantes abriria. Como a resposta foi negativa, compramos mais um refrigerante, um salgadinho, um pedaço de torta de limão, e retornamos os quatro para a pousada.

Eu e a Pri voltamos com certeza ainda maior de que íamos embora pela manhã. Cléa e Álvaro estavam avaliando se ficariam mais um dia apenas.

Ao chegar à pousada, Odyr perguntou se íamos fazer o passeio no dia seguinte.

- Acho que não, hein... – disse a Pri

- A previsão para amanhã é de tempo limpo – ele comentou, enquanto procurávamos ir para o quarto, e fugir da chuva que não parava de cair.

“Acho que não, hein...”, pensei.

Ao longe, o barulho de coiotes se fazia ouvir. A Pri me disse que, na verdade, eram motosserras. Uma boa olhada sob a cama confirmou que não havia serpentes ali. Os pernilongos não nos atacaram. O ventilador deve ter espantado boa parte deles. Um ruído se fez ouvir no teto. Acendi a luz. Não vi nada, a não ser o vulto de uma lagartixa, mais tarde. Numa noite abafada, após um dia cansativo, dormimos com o barulho da chuva que não parava, esperando um novo dia para ir embora.

***

Carpimos o trecho!

Acordamos e deixamos a mala semipronta para irmos embora. Atravessamos rapidamente sob a chuva que caía e fomos tomar o café. Isso, ao menos, era servido na pousada. Logo depois de nós, Álvaro e Cléa também chegaram. Em relativo silêncio, ainda com sono, comemos um pãozinho com queijo e um pedaço de bolo.

Odyr nos cumprimentou com um bom dia, e emendou: “Dia de chuva é complicado, porque não dá pra fazer nada”. Lá vinha ele trazendo mais argumentos para irmos embora. Terminado o café, fui até ele e revelei que estávamos de partida.

Nada falei sobre o fato de não ter gostado muito da pousada. Mas mencionei outra grande verdade: “gosto de natureza, mas nem tanto a ponto de viver sem um pouco da agitação urbana, uma TV e um frigobar”.

Ele aceitou muito bem, até eu dizer que queria de volta o dinheiro referente à diária da qual não iríamos usufruir. Me disse que teria que ligar para a esposa para ver se ela iria deixar. Fiz questão de lembrar que eu tinha feito negócio com ele por MSN, revelação essa (surpreendente) que ele mesmo me fez quando chegamos. Depois de um princípio de discussão, consegui arrancar metade do valor de volta. “Assim dividimos o prejuízo”, argumentou, dizendo que teria que pagar pela limpeza dos quartos, que já estava contratada. Espero que tenha sido verdade, porque tinha muita poeira lá dentro.

Nos despedimos de Álvaro e Cléa, e voltamos ao Palio, antes que a chuva, então mais calma, nos molhasse em demasia. Segundo Odyr, havia apenas um trecho que da estrada que podia estar alagado. Mas, conhecendo o caminho tortuoso, foi mais fácil guiar. E também mais tranquilo. Eu e a Pri estávamos menos tensos e, pra falar a verdade, à medida que nos distanciávamos de Guaraqueçaba eu me sentia melhor. Mal esperava para ver novamente meu celular com sinal de torre.

Como disse minha namorada... alguma coisa muito ruim deve estar aprisionada em Guaraqueçaba, para que tenham tornado tão difícil chegar até lá. As três horas de viagem pareceram apenas uma. Num instante chegamos até Morretes, a tempo de eu comer o barreado que desejava, e a Pri comer o peixe que queria.

Enquanto almoçávamos, no restaurante à beira do Rio Nhundiaquara, que corta a cidade, nos surpreendíamos com a altura das águas, que deviam ter subido pelo menos três metros. Um coqueiro inteiro passou flutuando, carregado pela correnteza. Tudo isso fotografei com meu celular, sem saber que mais tarde eu o perderia. Mas aí é outra narrativa. Na verdade é a mesma. Mas é melhor parar por aqui, senão essa história não termina nunca.

Basta dizer que tenho pouquíssimas fotos da viagem, pois meu celular é que estava com a maior parte dos registros da viagem até Guaraqueçaba. Depois de Morretes, fomos a Caiobá e Paranaguá. E, se não há fotos para provar, ainda assim há muito para lembrar.

De volta das minhas férias, meu colega Alan, que trabalha na diagramação do Jornal, perguntou como eu tinha aproveitados as férias. Respondi que fui para Guaraqueçaba, achando que ele não compreenderia o alcance de minhas palavras, já que a maioria das pessoas não sabe onde fica isso, e apenas pensa que se trata de algum lugar em São Paulo. Em lugar disso, ele arregalou os olhos e perguntou: “Você conseguiu chegar?”

Sim, ele sabia do que eu estava falando...